Ricardo Noblat
O que ainda faz o general José Elito Carvalho Siqueira como ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da presidência da República?
O general mentiu ao país a respeito de uma operação de espionagem conduzida pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin). E a mentira pública cometida por autoridade é considerado algo de muito grave no chamado mundo civilizado. Motivo de demissão.
No último dia 19 de março, por exemplo, Jérome Cahuzac, ministro francês do Orçamento, pediu demissão do cargo depois que o Ministério Público decidiu investigá-lo por lavagem de dinheiro.
Cahuzac levara três meses negando que tivesse uma conta bancária no exterior - o que não constituía crime, por sinal. Acabou confessando que mentira.
Luiz Estevão de Oliveira (PMDB-DF) foi o primeiro senador brasileiro cassado.
Não perdeu o mandato por ter embolsado parte do dinheiro destinado à construção do Fórum da Jusiça Trabalhista de São Paulo. Perdeu porque mentiu ao se defender.
Richard Nixon, presidente dos Estados Unidos, fez o que pode para encobrir as ligações do seu governo com o arrombamento do comitê do Partido Democrata no edifício Watergate, em Washington. Renunciou ao mandato depois que se descobriu que mentira.
O jornal O Estado de S. Paulo denunciou no último dia quatro que o "governo montara uma operação coordenada pelo GSI e executada pela Abin para monitorar a movimentação sindical no Porto de Suape, em Pernambuco".
Lembrou que Eduardo Campos, governador de Pernambuco e aspirante à sucessão de Dilma, se opõe à Medida Provisória que retirou dos Estados a autonomia para licitar novos terminais de carga. E que por causa disso andara se reunindo com sindicalistas.
"A ação envolve uma equipe de infiltrados no Porto de Suape e a produção de relatórios de inteligência repassados ao general José Elito", informou o jornal.
No dia seguinte, o general assinou uma dura nota classificando a reportagem de “irresponsável”. E afimou a certa altura: “É mentirosa a afirmação de que a GSI/Abin tenha montado qualquer operação para monitorar o movimento sindical do Porto de Suape ou qualquer outra instituição do país.”
Recentemente, o jornal teve acesso ao documento que confirma tudo o que o general desmentiu. Simplesmente tudo.
O documento se chama "Ordem de Missão 022/82105" e foi enviado às seções da Abin em 15 Estados.
A missão: identificar ações grevistas como reação à Medida Provisória que altera o funcionamento dos portos. O alvo central: sindicalistas ligados à Força Sindical e, por tabela, a Eduardo Campos.
Pouco antes da missão ter início, "uma equipe de agentes de Brasília percorreu os Estados alvo para uma ação de vigilância prévia", segundo o jornal.
Pela primeira vez, "a vigilância se valeu de um equipamento de filmagem israelense que permite a transmissão em tempo real e em alta resolução de imagens captadas nos portos".
O general reconheceu a existência do documento, mas ainda assim negou que ao comentar a primeira reportagem tivesse mentido a respeito. "A gente monitora tudo, assuntos que possam ser de interesse do país". E arrematou: "Não foi um monitoramento de movimento a ou b, mas de cenário".
O general mentiu duas vezes, pelo menos: ao classificar de “irresponsável” e de “mentirosa” uma denúncia que sabia ser verdadeira; e ao negar depois que mentira a respeito.
Se seu amor ao decoro fosse maior do que seu amor ao emprego não teria mentido. Uma vez flagrado mentindo pediria demissão.
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