7 de janeiro de 2013

Amazônia e a 'marcha da insensatez' II

Luiz Eduardo Rocha Paiva*
Este texto é continuação do artigo “Amazônia e a ‘Marcha da Insensatez’ I”, sobre a política amazônica dos últimos governos brasileiros. Como no primeiro, remete-se ao nome do livro da historiadora Barbara Tuchman, escrito na década de 1980, pois insensatez caracteriza a política governamental naquela região desde os anos 1990.
A História ensina que cenários semelhantes, mesmo em episódios distintos e distantes no tempo e no espaço, tendem a desfechos análogos se as lideranças seguirem ou não princípios estratégicos que a experiência consagrou como definidores do resultado de eventos decisivos nas relações internacionais. Em estratégia, o tempo não se conta por anos, mas sim por décadas, portanto, erros cometidos em determinado momento terão consequências desastrosas muitos anos depois. Algumas vezes, uma solução tática se afigura como excelente para resolver uma situação no presente, mas ela poderá ser causadora de problemas muito mais graves no futuro. A estratégia deve guiar a tática e não o inverso. Ao se dobrar seguidamente aos desígnios de Hitler entre 1933 e 1939, para resolver questões pontuais de política externa na Europa, o Reino Unido e a França, pensando salvar a paz, permitiram a consolidação do poder político do ditador nazista, enfraqueceram a oposição alemã, deram tempo ao fortalecimento militar germânico e assim, pela imagem de fraqueza e falta de coragem transmitida, contribuíram para o desencadeamento da II Guerra Mundial.
Dois casos históricos de perda de soberania e integridade territorial devem servir de alerta à Nação. O mais recente foi a independência do Kosovo, província antes pertencente à Sérvia, mas cuja população era 90% de origem albanesa. Em 1974, o Kosovo recebera autonomia, que foi cassada em 1999, levando sua população à revolta. Ante a violenta reação da Sérvia e não tendo seu consentimento para entrar com forças de paz na região, a OTAN, sem o aval do Conselho de Segurança da ONU, moveu uma campanha aérea arrasadora e dobrou aquele país, que acabou aceitando uma missão de paz sob Mandato da ONU. O direito de soberania na região em pauta, assegurado no Mandato ONU, não foi suficiente para a Sérvia manter a integridade territorial, pois o Kosovo declarou independência em 2008, rapidamente reconhecida pela comunidade mundial numa clara demonstração de que o direito é filho do poder. O desmembramento da Sérvia, histórica aliada da Rússia, e não a proteção da população albanesa, era o real interesse dos aliados da OTAN, pois praticamente alijava aquela potência da Europa Oriental.
A Bolívia vendeu o Acre, em 1903, por não tê-lo ocupado com seu povo após o Tratado de Ayacucho de 1867, que lhe fora favorável. Quando quis fazê-lo, em 1898, o Acre estava ocupado por brasileiros, desde 1877, mesmo sem o aval do Governo do Brasil. Eram nordestinos liderados por seringalistas brasileiros que exerciam o poder local no vazio deixado pelo povo e Governo da Bolívia. Este tentou expulsá-los à força, sem êxito, tendo o Acre declarado a independência em 1902 e a intenção de se incorporar ao Brasil. A questão foi resolvida diplomaticamente com a compra do Acre e outras concessões feitas pelo Brasil. O tempo estratégico passou de três décadas.
No quadro a seguir, se compara sumariamente a história da perda do Acre pela Bolívia com a da marcha da insensatez nas Terras Indígenas da Amazônia, iniciada nos anos 1990. Situações distantes no tempo e espaço, mas têm analogias que devem preocupar a Nação.
Leia também:
Amazônia: "A marcha da insensatez" I
Perda do Acre pela Bolívia – analogia com a Questão Indígena no Brasil.
O arrendamento do Acre ao Bolivian Syndicate, delegando-lhe autoridade para expulsar os brasileiros da região com o uso da força, foi o reconhecimento tácito pelo Governo boliviano da incapacidade de controlar parte de seu território. De fato, foi uma voluntária abdicação da própria soberania na região, que jamais lhe seria devolvida, haja vista a cobiça e o poder das potências que se encontravam por trás daquela empresa comercial. A Bolívia trazia para dentro da Amazônia a Grã-Bretanha, que ampliava sua presença já existente na Guiana Inglesa, e os EUA, aonde autoridades militares e políticas vinham há muito tempo manifestando o propósito de separar a região do Brasil (1817, capitão Mathew Fawry, da Marinha) ou de internacionalizar a ocupação do território e a navegação na bacia amazônica (anos 1850, Matthew F. Mauri, oficial de Marinha). Além deles, como disse Eduardo Prado em “A Ilusão Americana”: “O general Grant, num discurso pronunciado em 1883, numa recepção ao general mexicano Porfirio Diaz, chegou a dizer que os Estados Unidos necessitavam de três coisas somente, porque o resto tudo tinham no seu país. As três coisas eram: café, açúcar e borracha. E o general disse: Seja como for havemos de ter café, açúcar e borracha” (o grifo é nosso).
A análise das questões do Kosovo e do Acre permite concluir: num país onde uma região rica e de importância geopolítica seja um vazio de poder, sem população nacional, ocupada por população segregada, sob liderança alienígena e ligada a outros países, projeta-se um cenário de perda de soberania e integridade territorial a despeito do direito internacional. Este é o cenário desenhado em Roraima, com potencial de expansão até o Amapá. Ao contrário de Sérvia, Bolívia e Brasil, a China povoou a província do Xingiang com etnia han, limitando a força do movimento separatista dos uigures. A China aprendeu com a história a resistir a pressões estrangeiras. O Brasil era assim até os governos nitidamente internacionalistas de Collor e FHC e o pseudonacionalista de Lula.
“se não te apercebes para integrar a Amazônia na tua civilização, ela, mais cedo ou mais tarde, se distanciará, naturalmente, como se desprega um mundo de uma nebulosa – pela expansão centrífuga de seu próprio movimento”. Euclides da Cunha.
* General da reserva, professor emérito e ex-comandante da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército

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