Além do que contou ao “Fantástico”, Xuxa tem outra história — do assédio sexual que sofreu de um general graduado, durante a ditadura. Confira
Xuxa durante a entrevista ao "Fantástico" em que revelou ter sofrido abusos sexuais até os 13 anos de idade (Reprodução Rede Globo) |
A grande repercussão da entrevista no Fantástico em que Xuxa contou dos abusos sexuais que sofreu quando adolescente – inclusive do melhor amigo do pai — me fez recordar de um caso na mesma linha que ela contou na entrevista principal da edição de agosto de 1996, celebrando o 21º aniversário de Playboy, revista de que eu era diretor de Redação.
A longa e reveladora entrevista foi realizada pelo jornalista Guilherme Cunha Pinto, o “Jovem Gui”, profissional de primeiríssima, dos melhores com que convivi, e amigo querido, que teve morte precoce e absurda, naquele mesmo ano. E traz um episódio grave, ocorrido durante a ditadura. Xuxa ainda não tinha 18 anos quando sofreu assédio sexual de um general graduado, num episódio que incluiu limusine posta à disposição e vigia na porta de um hotel.
Leia o trecho da entrevista sobre esse episódio:
Ingênua do jeito que era, como você enfrentou o assédio que deve ter acontecido depois que virou sex symbol? Houve inclusive um episódio dramático em Cleveland, nos Estados Unidos, que até hoje nunca ficou muito bem explicado. Como foi aquilo?
XUXA — Fui chamada para fazer umas fotos nos Estados Unidos, em janeiro ou fevereiro de 1980. Lembro da data porque estava para fazer 18 anos. Meu pai teve de assinar uma autorização, uma pessoa levou o contrato até em casa, no Grajaú, depositaram no banco 50% do valor e eu viajei.
No avião conversei com um militar brasileiro que me perguntou o que eu ia fazer em Cleveland. Disse que ia fotografar e ele estranhou. Me deu um cartão com o telefone dele e o nome de uma secretária. Falou: “Se precisar de alguma coisa, entre em contato comigo.” Cheguei e tinha uma limusine me esperando, com um motorista brasileiro. Eu estava toda feliz na limusine, pulando de um banco para o outro.
Falei alguma coisa com o motorista e ele perguntou: “Você sabe por que está aqui?”
Respondi: “Vou fotografar.”
Ele riu: “Te disseram que é pra fotografar? Olha, é bom saber: acho que não é isso não.”
Fiquei com um pouco de medo, mas estava me divertindo tanto… Chegando no hotel, ele perguntou se eu queria alguma coisa, e comprei um monte de pipocas, de vários sabores, e muitos doces. Quando cheguei ao quarto, tinha um guarda na porta, fardado.
O motorista disse: “Pronto. Está entregue.”
Me explicou que eu iria receber uma visita às 4 da tarde e que não poderia sair até lá. O guarda ficou do lado de fora, sem dizer uma palavra. Eu queria tomar banho, mas não achava a água quente. Abri a porta, para ver se o homem me ajudava, mas ele não se mexia. Eu disse: “O senhor não pode entrar pra arrumar o meu chuveiro? O senhor fala português?”
O motorista acabou me ligando para me alertar que não haveria foto nenhuma e que um militar graduado iria entrar no quarto. Comecei a chorar, desesperada, mas não consegui ligar para a minha família no Brasil. Estava num terceiro andar. Pensei: “Meu Deus, vou pular daqui!”
Aí me lembrei de ligar para aquele outro militar, que tinha me dado o cartão no avião. No cartão tinha o nome da secretária, Bárbara. Liguei e ela atendeu: “Bárbara?”, perguntei. Ela disse: “É.” Comecei a chorar: “Pelo amor de Deus…” Ela perguntou a minha idade. Eu disse: “Quase 18.” Ela falava: “Calma, Calma.”
Em 1980 estávamos no fim da ditadura. Hoje, passados dezesseis anos, você pode dizer o nome desse militar que chegaria às 4 da tarde em seu quarto?
XUXA — Não tive contato com essa pessoa. Não sei se o motorista falou o nome certo. Não posso falar uma coisa que não tenho certeza.
Mas era uma pessoa ligada ao governo do então presidente João Figueiredo?
Como assim, uma pessoa do governo? Era um militar. E foi um outro militar que me tirou de lá…
Sim, o governo estava cheio de militares. Esse que ia chegar [a seu quarto] era ministro?
Bá, não vou dizer o nome. Era um militar.
Do alto escalão?
Alto escalão, mesmo. Cheio de estrelona.
Está vivo?
Não sei. [Rindo, com ar impaciente.] Não sei se está vivo. Não vou falar mais sobre isso.
Ricardo Setti (Veja)/montedo.com