Em meio à guerra, um militar da Força Expedicionária Brasileira aparece sorridente na foto, alimentando uma arma com um cartucho de bomba. Na peça, uma inscrição improvável, uma breve mensagem aos inimigos que receberiam o ataque: “A cobra está fumando”. A imagem mostra que os pracinhas que ajudaram a combater o fascismo e o nazismo não deixaram a malemolência e o
bom humor para trás quando partiram do Brasil – o único país da América do Sul a enviar tropas para a Europa – rumo à Itália para lutar na Segunda Guerra Mundial.
A icônica foto está presente no livro “Histórias Não (ou Mal) Contadas”, do historiador Rodrigo Trespach, recém-lançado pela Harper Collins. Na obra o autor volta seu olhar aos pormenores do conflito, buscando por passagens e personagens muitas vezes ignoradas ou propositalmente esquecidas pela narrativa “oficial” da guerra.
“A ideia é sempre trazer algo de novo para o leitor. A maioria dos livros sobre a Segunda Guerra se atém às questões políticas e militares; só recentemente a historiografia se permitiu falar sobre outro lado do conflito. Assim, o livro reuniu e deu ênfase a uma série de histórias humanas, sem estereótipos, histórias que muitos esqueceram ou não quiseram contar”, diz o autor em entrevista ao blog.
São histórias como a das mulheres que batalharam no exército soviético – chamadas de “soldados de saias”-, o pânico que o Brasil viveu nos primeiros anos do conflito, quando alemães e italianos foram perseguidos por aqui, e a do britânico Alan Turing, que, apesar de ter exercido um papel decisivo a favor dos Aliados decifrando mensagens codificadas alemãs, teve seu nome deixado de
fora da galeria de heróis por ser homossexual.
“A Segunda Guerra é algo tão complexo e grande que vai muito além do holocausto judeu e de Hitler. Embora seja importante sempre lembrar do genocídio dos judeus, as pessoas desconhecem mas deveriam saber e lembrar que o regime de Hitler perseguiu e assassinou religiosos, homossexuais, ciganos, esterilizou negros e deficientes mentais. E boa parte disso, orquestrado por pessoas
com formação e ensino superior. E pior, não era algo incomum, norte-americanos também tinham ideias eugênicas, preconceituosas e racistas. Churchill, o primeiro-ministro britânico, achava que os hindus eram um ‘povo bestial’”, comenta o autor.
Mais curiosidades
Além da relacionada à foto que abre esta matéria, veja outras curiosidades presentes em “Histórias Não (ou Mal) Contadas”:
Hitler tinha problemas de flatulência
Para que conseguisse dormir, Hitler tomava potentes doses de sedativos hipnóticos e bromo.
Em algumas situações, o coquetel pré-sono se mostrava tão forte que o líder nazista tinha dificuldades para acordar. Além da insônia, o homem do bigodinho também sofria de dor de cabeça crônica, dor de estômago e problemas no intestino. Historiadores apontam que ele tinha “exaustão intestinal” e “espasmos intestinais”. Ou seja, devia ser algo deveras desagradável dividir um
ambiente com o flatulento líder nazista.
Prostitutas em Paris
Depois de ocupar Paris, os nazistas requisitaram quarenta bordéis para uso de suas tropas. Quase três mil profissionais do sexo tinham carteiras de inspeção exigidas pelos alemães e estima-se que cerca de cem mil francesas se tornaram prostitutas ocasionais para saciar a luxúria dos invasores. A elite do sexo profissional, claro, era responsável por atender o alto escalão do exército alemão.
Ratos pestilentos
Depois de invadir o nordeste da China, o exército japonês instalou por ali um campo de concentração. Iguais aos alemães, cientistas nipônicos utilizavam seres humanos como cobaias para experiências diversas, com a óbvia diferença de que as vítimas eram chinesas. Ali que os japoneses desenvolveram uma de suas armas mais cruéis: milhões de ratos infestados de pulgas com peste bubônica que seriam lançados de paraquedas em cidades para aniquilar a população. O campo acabou desativado
antes dos militares colocarem a ideia em prática, mas, ainda assim, os ratos se espalharam pela região e provocaram a morte de mais de vinte mil pessoas.
Os outros três tópicos desta lista foram comentados por Trespach na entrevista:
As drogas na guerra
“Hitler era hipocondríaco e a ‘Blitzkrieg’ [tática usada na guerra] alemã era alimentada por anfetaminas. Os nazistas criaram uma indústria para isso. Mas os alemães não foram os únicos, os Aliados também usavam drogas sintéticas e o cigarro, que era distribuído para as tropas em grandes quantidades. Serviam para estimular ou acabar com a ansiedade. Os próprios líderes políticos Aliados não eram exemplo de boa conduta. Churchill era um beberrão e Roosevelt precisava de drogas
para manter-se vivo e aparentar boa saúde. O uso desenfreado do álcool, que também era distribuído nas rações para os soldados da União Soviética, explica, em parte, os milhares de estupros coletivos praticados pelos soviéticos em Berlim”.
Aliança do Brasil com a Alemanha
“Nos anos imediatamente anteriores à guerra, a Alemanha era o maior parceiro comercial do
Brasil. O país exportava mais para a Alemanha do que para os Estados Unidos, havia intercâmbio entre os militares e até admiração por parte dos oficiais brasileiros em relação aos alemães. A Alemanha também via o Brasil, principalmente o sul que havia recebido um grande número de imigrantes alemães, como olhar interesseiro. E até 1942, quando tudo ainda estava indefinido, havia uma preocupação Aliada muito forte quanto o posicionamento do Brasil. Mas Osvaldo Aranha, o ministro do Exterior de Vargas, conseguiu reverter essa questão e aproximar o Brasil dos Estados Unidos, que acabou construindo até uma base militar no nordeste em troca do financiamento de alguns projetos nacionais. O posicionamento brasileiro pró-Aliados rendeu ao país milhões de dólares
em investimentos na indústria e em diversos setores”.
Hitler x Stalin
“Roosevelt sabia disso na época da guerra, que o regime de Stalin era igual ou pior que o de Hitler. Mas Stalin venceu a guerra, essa é a única diferença entre eles. Mesmo antes de a Alemanha invadir a União Soviética, em 1941, ele já tinha assassinado cerca de 8 milhões de pessoas, por questões raciais, políticas e militares. Quando a guerra acabou ele mantinha mais de 20 milhões de escravos em campos de concentração. A propaganda, a ideologização, a perseguição a minorias, o
unipartidarismo, a falta de liberdade e de expressão e a polícia política secreta stalinista seguiam os mesmos moldes nazistas. Foram sistemas muito semelhantes. Agora, é importante dizer que o regime de Stalin é uma coisa e a Revolução Russa é outra. A revolução e a tentativa de implantar o socialismo/comunismo na Rússia acabou quando Stalin chegou ao poder. Stalin era um ditador e, depois que ele morreu, os próprios líderes soviéticos condenaram o regime, embora tenham mantido algumas práticas pouco democráticas e sociais”.
*Jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo.
Blog Página Cinco/montedo.com
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