9 de setembro de 2016

Mulher piloto da Segunda Guerra finalmente ganha lugar no cemitério militar

The New York Times
Nicholas Fandos
Levou um ano e meio após sua morte, em 2015, para que o Exército reconhecesse formalmente o que Elaine D. Harmon soube durante quase toda a sua vida: que o serviço das mulheres pilotos na Segunda Guerra Mundial se equiparou ao dos homens que combateram.
Na quarta-feira (7), em um recanto silencioso do Cemitério Nacional de Arlington, o Exército tornou seu reconhecimento permanente, ao permitir que os restos mortais de Harmon fossem finalmente depositados com plenas honras militares ao lado de seus colegas veteranos.
Harmon, que morreu em abril de 2015 aos 95 anos, fora membro das Mulheres Pilotos a Serviço da Força Aérea (WASPs na sigla em inglês), uma unidade do Exército que foi a primeira do tipo, formada por mulheres que pilotavam aviões e treinavam homens para fazer isso, durante a Segunda Guerra Mundial.
Essa experiência foi tão importante na vida de Harmon que depois de sua morte sua família encontrou uma carta escrita no papel bege timbrado das WASPs e deixada em uma caixa à prova de fogo, com seu último desejo.
"Eu gostaria de ser enterrada no Cemitério de Arlington", escreveu ela, acrescentando mais tarde: "Mesmo que não restem cinzas, eu gostaria que uma urna vazia fosse depositada em Arlington".
O problema, como sua família logo percebeu, era que o Exército nunca considerou as mulheres --que carregavam armas, usavam uniformes e tinham acesso a informação sigilosas-- fossem iguais aos soldados homens na ativa. E mesmo quando a lei lhes concedeu benefícios como veteranas de guerra, nos anos 1970, o Exército disse que não poderia permitir legalmente que as WASPs fossem enterradas em Arlington.
"Elas fizeram o sacrifício máximo, e quando a guerra terminou lhes disseram: 'Obrigado por seu serviço, agora as cabines voltam para os homens'", disse a deputada republicana Martha McSally, do Arizona, durante um breve serviço memorial depois do enterro.
McSally, que foi a primeira mulher piloto a voar em combate para a Força Aérea, soube da história de Harmon no noticiário este ano e imediatamente decidiu defender a causa. Com outra veterana, a senadora republicana Joni Ernst, de Iowa, ela promoveu uma lei que estabelece a elegibilidade dos restos mortais de Harmon e de outras como ela a ser enterrados no cemitério.
"Essas mulheres estavam recebendo um último tapa na cara", disse McSally. "Eu disse: 'De jeito nenhum!'"
A medida foi aprovada pela Câmara e pelo Senado por unanimidade. O presidente Barack Obama assinou a lei em maio passado.
Na quarta-feira, sob um céu quase sem nuvens, os restos de Harmon, que haviam estado em uma caixa preta numa prateleira no armário de sua filha há um ano e meio, finalmente puderam repousar em Arlington, em um nicho comum.
Um grupo de mulheres que voaram com Harmon, e muitas outras que vieram depois dela, viajaram por todo o país para testemunhar e, em alguns casos, dar depoimentos sobre o caminho que ela ajudou a abrir.
"Finalmente terminamos a última luta. Tivemos de lutar o tempo todo. Não pensei que teríamos de lutar para ser enterradas", disse Florence Reynolds, membro da unidade e amiga de Harmon, conhecida como Shutsy. "Eu quis vir aqui para garantir que eles não iam estragar tudo."
Afinal, não estragaram. Harmon, com seus restos presentes em uma caixa de madeira esculpida, foi homenageada com três salvas de tiros, guarda de honra e toque de caixas.
Pelas contas de Katherine Landdeck, uma historiadora da Universidade Feminina do Texas que está escrevendo a história das WASPs, menos de cem membros da unidade continuam vivas. Só algumas manifestaram interesse por funerais em Arlington, e assim, acrescentou ela, o serviço fúnebre de Harmon foi uma espécie de substituto para toda uma unidade que é geralmente desconhecida fora da família e das mulheres que lutaram.
Foi um papel adequado para Harmon, que ajudou a manter o grupo unido quando voltaram à vida civil em 1944. A própria Harmon mudou-se para Oakland, na Califórnia, e trabalhou como controladora de tráfego aéreo enquanto esperava que seu marido voltasse do Pacífico. No fim da guerra, o jovem casal se reuniu nos crescentes subúrbios de Washington em Maryland para criar uma família.
Harmon ficou viúva em 1965 e criou quatro filhos sozinha, tornando-se mais tarde avaliadora de imóveis. Como outras WASPs, ela manteve um sentido de patriotismo, mas os detalhes de seu serviço sempre foram suprimidos.
"Depois da guerra, todas se dispersaram pelo país e não falavam necessariamente entre si", disse Erin Miller, uma das netas de Harmon, que estudou a história da unidade. "Disseram-lhes para não divulgar o que haviam feito, e elas foram para casa cuidar de suas famílias."
Na década de 1970, quando as mulheres começaram a se reconectar para lutar por benefícios de aposentadoria militar e pelo reconhecimento de seu serviço, Harmon tornou-se sua secretária informal. Ela localizou as outras WASPs pelo país e as recebeu quando foram a Washington fazer lobby.
Em uma espécie de terceiro ato, Harmon viajou pelos EUA promovendo a história da unidade. Ela visitou a Casa Branca, disse Miller, e se encontrou com cinco presidentes. Em 2009, Obama assinou uma lei que concedeu a toda a unidade a Medalha de Ouro do Congresso. Harmon estava lá.
No funeral, enquanto aviões sobrevoavam --aparelhos da Segunda Guerra pilotados por voluntários para a ocasião, e depois voos comerciais que decolavam do Aeroporto Nacional Reagan, nas proximidades--, a tenente-coronel Christine Blice-Baum, uma capelã, leu as Escrituras e depois um poema, "Voo Celestial", escrito por uma WASP, Elizabeth MacKethan Magid, em memória de outra: "Ela não está morta./ Vocês deviam saber/ Está só voando mais alto./ Mais alto do que jamais voou".
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
UOL/montedo.com

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