TREINAMENTO DO EXÉRCITO
Soldado morreu por excesso de exercícios
Laudo cadavérico apontou síndrome rara originada por esforço físico exagerado como uma das causas da morte
Fortaleza (CE) -Após cinco meses de espera pelo laudo cadavérico que confirmasse a verdadeira causa da morte do jovem recruta do Exército Brasileiro (EB) Francisco Igor Vieira Alves, 18, a família confirmou que o óbito do soldado teve como uma das causas a síndrome rara rabdomiólise. Francisco Lázaro de Freitas Alves, 42, pai do jovem, lembra da última frase dita pelo filho no quarto do hospital, "Benção Pai!". A síndrome foi causada pelo excesso de exercícios durante treinamento. Igor Vieira passou mal durante instrução militar no Distrito de Penedo, em Maranguape. Ele teria avisado aos seus superiores das intensas dores musculares e mesmo assim foi obrigado a seguir com as atividades.
Em abril deste ano, o Diário do Nordeste publicou, com exclusividade, matéria informando sobre a suspeita de que o jovem havia morrido por conta do excesso de esforço físico durante o treinamento na unidade militar.
Segundo o documento do Serviço de Verificação de Óbitos (SVO), da Secretaria de Saúde do Estado do Ceará (Sesa), o soldado deu entrada no Hospital Geral do Exército de Fortaleza com histórico de febre e intensas dores de cabeça e musculares. Um exame analisou a urina do jovem que apresentou tonalidade escurecida e hemorragia interna, diagnosticando a insuficiência renal com necessidade de procedimentos de hemodiálise. Devido a sintomas semelhantes com dengue hemorrágica, uma sorologia para a doença foi solicitada pelos médicos e confirmada em dois exames.
O pai relembra que Igor sempre assistia na TV a campanha do Exército para recrutar novos soldados e dizia que queria estar no quartel. Ele chegou a acompanhar o filho nas primeiras semanas no 23º Batalhão de Caçadores. "Igor dizia que queria crescer no Exército e conhecer novas pessoas. Ele era encantado como a maioria dos jovens recrutas. E fazia muitos planos para usar o dinheiro que recebia".
No inicio, o jovem se deslocava todos os dias ao Exército e voltava no fim da noite. Com o passar dos meses ele começou a ficar de três a quatro dias. De acordo com o pai, o filho chegou a falar sobre o treinamento pesado que iria enfrentar em Maranguape. "Achávamos que não teria risco pois estaria em segurança com médicos e ao lado de pessoas competentes".
Segundo os familiares, o Exército deu todo o suporte no socorro de Igor, desde os primeiros atendimentos médicos até o velório. Apesar da atenção, o pai questiona os procedimentos adotados pelos profissionais do Hospital do Exército e também o não atendimento às reclamações de Igor nos primeiros dias do treinamento, em Maranguape. O recruta se queixou aos amigos e oficiais superiores, mas de acordo com os colegas do mesmo grupo, os militares mandaram ele realizar mais exercícios.
Atendimento médico
A 10ª Região Militar informou, por meio de nota, que o laudo constatou a rabdomiólise como uma das causas da morte, porém também apresentou em exames a confirmação para dengue. O Exército afirmou que "este resultado, conforme a literatura e trabalhos publicados em revistas médicas constantes dos autos da sindicância, e com base nos índices medidos pelos médicos e informados pelas testemunhas técnicas, indicam que a dengue hemorrágica conduziu à rabdomiólise, que causou a insuficiência renal aguda e o diagnóstico desta doença rara". No documento enviado à redação, a Instituição informou que o militar procurou o serviço de saúde no acampamento e todas as vezes foi atendido. Porém, cada uma de suas visitas médicas foram decorrentes de queixas distintas, dificultando o diagnóstico.
Conforme relatado pelas testemunhas, o militar solicitou o retorno às instruções após a administração das medicações e o repouso, sendo determinado que o soldado participasse das atividades como ouvinte. O Exército ressaltou que existiam duas equipes médicas completas, com ambulâncias para atendimento pré-hospitalar, evacuação e suporte primário no local.
A Sindicância feita pelo EB já possui conclusão parcial, porém ainda aguarda novas diligências para a conclusão do documento. A família recebeu o pecúlio do seguro de vida obrigatório dos militares; auxílio-funeral da 10ª Região Militar; e valores devidos ao militar decorrente do soldo. Conforme a Instituição, a família não preencheu os requisitos para receber pensão militar.
Treinamento pesado
Sobre os exercícios físicos, o Exército afirma que foram realizadas atividades como: marchas e estacionamento; higiene e primeiros socorros; pista de cordas; organização do terreno (confecção de tocas); observação do terreno diurno e noturno; combate a baioneta (lutas); e orientação diurna e noturna. Os treinamentos são comuns em outras unidades militares no País, de acordo com a 10º Região, e não houve mortes nos últimos cinco anos em atividades de instrução.
O médico Marcus Strozberg, especialista em medicina esportiva, afirma que casos desse tipo de doença são raros. "Para que a rabdomiólise ocorra é preciso que o paciente esteja em um grau extremo de cansaço. Exercícios intensos levam a lesões musculares, tendo relação com temperatura e perda de água", explicou.
De acordo com o especialista, o que ocorre com o paciente é o entupimento dos rins devido a lesão muscular, causando a insuficiência renal aguda. Segundo o médico, pessoas com corpos mais avantajados tendem a ter facilidade para esse tipo de lesão. "Isso pode ocorrer quando o paciente está vestindo roupas muito apertadas ou utilizando um equipamento que possa prender o fluxo sanguíneo", apontou Marcus Strozberg.
Fique por dentro
Rabdomiólise é a degeneração do músculo
Conforme o Ministério da Saúde/Secretaria de Vigilância em Saúde, Rabdomiólise é uma síndrome causada pelo exercício físico excessivo não rotineiro. Os sintomas incluem dor muscular e fraqueza. Com a degeneração do músculo, mioglobinas são lançadas na corrente sanguínea, junto com enzimas e outros componentes musculares. É importante para o paciente com rabdomiólise fazer a reposição de fluidos para conseguir se regenerar mais rapidamente. Uma solução salina poderá ser ministrada por via intravenosa. Esse fluido deve conter bicarbonato, o que ajuda a combater o ácido no sangue devido à lesão muscular. Bicarbonato também ajuda a eliminar a mioglobina dos rins.
DIÁRIO DO NORDESTE/montedo.com