Batalha de Verdun foi a mais longa e uma das mais sangrentas da Primeira Guerra Mundial
Travada entre fevereiro e dezembro de 1916, batalha no nordeste da França envolveu exércitos alemão e francês e terminou com 710 mil baixas, entre as quais 160 mil mortos
Max Altman | São Paulo
A Batalha de Verdun foi a mais longa das batalhas da Primeira Guerra Mundial e a segunda mais sangrenta depois da Batalha de Somme. Nela se enfrentaram os exércitos francês e alemão entre 21 de fevereiro e 19 de dezembro de 1916, nos arredores de Verdun, na região nordeste da França. Os resultados foram 250 mil mortos e cerca de meio milhão de feridos de ambos os lados, mais de 100 mil disparos de obus diários e nove povoados apagados do mapa para sempre. Uma batalha que refletiu como nenhuma outra a falta de sentido da guerra.
O território de Verdun sempre tinha sido um lugar inexpugnável, desde Átila até a Guerra Franco-Prussiana. Em 1914 era um lugar simbólico e estava magnificamente fortificado.
Depois que os alemães fracassaram em conseguir uma rápida vitória sobre a França, a luta no front ocidental se converteu numa guerra de trincheiras.
A esmagadora vitória dos germânicos na guerra franco-prussiana de 1870 levou à construção de uma cadeia de fortificações de peso em Verdun, a fim de resistir a uma eventual nova ofensiva. No entanto, nos meses prévios ao ataque alemão os fortes ficaram praticamente sem guarnição nem artilharia. O comando francês não esperava ação em grande escala e necessitava de artilharia pesada para outros fronts.
Em 1915 o comandante-em-chefe alemão Erich von Falkenhayn planejou um novo ataque à França, desprezando os conselhos de Hindenburg. O plano consistia numa guerra de desgaste contra as tropas francesas com o fim de provocar o maior número de baixas e de material mediante devastadores ataques de artilharia. A força francesa em Verdun constava de 34 batalhões frente aos 72 batalhões da Alemanha.
A artilharia francesa estava em desvantagem: cerca de 300 armas de fogo, a maioria canhões de 75 milímetros, em comparação com 1.400 armas da Alemanha, a maioria pesadas, entre elas os canhões Skoda, de 305 mm, e os Krupp, de 420 mm.
O ataque começou em 21 de fevereiro de 1916 às 07h15 com uma barragem de artilharia que jamais tinha sido vista: nove horas e um milhão de obuses, num front de apenas 40 quilômetros. Os franceses foram destroçados pela metralha ou esmagados em seus refúgios. Essa preparação maciça foi seguida por três corpos de Exército, cumprindo o fundamento militar alemão: “A artilharia destrói, a infantaria ocupa”.
Os alemães utilizaram pela primeira vez os lança-chamas e tropas de assalto avançavam com baionetas caladas. Esta combinação de artilharia e táticas de choque era nova para os defensores e os fez perder muito terreno a princípio. Até 22 de fevereiro, as tropas alemãs avançaram cinco quilômetros e capturaram o "Bois des Caures", malgrado dois batalhões franceses terem resistido durante dois dias.
Em 22 de fevereiro começou outro bombardeio seguido de uma infantaria mais resoluta, porém a progressão continuava lenta. No entanto, a frente norte francesa estava sob risco de cair. Muitas unidades haviam perdido metade de seus homens nos três primeiros dias de batalha.
Em 24 de fevereiro, três companhias de infantaria alemãs penetraram no ponto central do sistema de fortificação francês. A força alemã estava formada por apenas 19 oficiais e 79 soldados e ainda assim fez render a guarnição francesa. Todavia, tinha dificuldades de posicionar sua artilharia sobre o terreno enlameado. Essa desaceleração deu tempo para a França se reforçar com 90 mil soldados e 23 mil toneladas de munição. Duas divisões trabalharam sem cessar para manter a ferrovia chamada “Voie sacrée” (Via sacra) em condições. Essa linha, que atravessava Verdun, tinha ficado interrompida desde 1915.
A “Região Fortificada de Verdun”, que estava sob o comando do general Joseph Joffre, foi confiada ao marechal Phillipe Pétain em 26 de fevereiro. Os defensores da linha Douaumont foram divididos em quatro setores, cuja principal tarefa era retardar o avanço alemão com esporádicos contra-ataques.
Cada novo avanço alemão rumo a Verdun se fez mais custoso como o calvário de seu 5º Exército, cujos efetivos foram abatidos pela artilharia de Petain, concentrada na margem ocidental do rio Mosa. Quando Douaumont foi finalmente capturado pela infantaria alemã, em 2 de março, quatro de seus regimentos haviam sido praticamente aniquilados.
Não podendo seguir em frente a Verdun, os germânicos atacaram na margem esquerda do rio Mosa em 6 de março. Nessa investida da artilharia alemã foram empregadas 800 armas pesadas lançando cerca de 4 milhões de disparos e transformando as colinas em vulcões de lama e pedra.
Em meio ao forte bombardeio, um grupo de soldados franceses entrincheirados recebeu ordem de atacar, posicionando-se em linha, prontos para sair. Projéteis da artilharia inimiga começaram a cair sobre eles, derrubando as paredes da trincheira e enterrando-os vivos.
Depois de atacar Corbeaux des Bois e destruir vários batalhões franceses, os alemães lançaram novo assalto a Le Mort Homme em 9 de março. No dia seguinte chegou a Bois Le Bouchet a 4ª Divisão de Infantaria, sob o comando do general Henri Berthelot. Um dos oficiais, ao observar o espetáculo diante de seus olhos, murmurou: “Que nos deem absolvição. Estamos todos fodidos.”
Em abril os alemães decidiram abandonar a tática de ataques limitados em favor de um ataque ao longo de toda a frente. O primeiro durou de 9 a 12 de abril sem atingir o objetivo e foi suspenso devido às chuvas.
Em maio os alemães sofreram um terrível acidente. Uma ignição numa caixa de granadas acendeu um lança-chamas que provocou uma série de explosões numa galeria onde se encontravam mais de mil soldados. A maioria morreu no local. Mais adiante, os franceses experimentaram um horror similar num túnel de Tavannes, usado para armazenar víveres e munição. Um incêndio se iniciou entre a munição e dezenas de soldados morreram.
Em maio, a França, após preparação de artilharia, quis retomar o Forte Douaumont. Três dias depois, a tentativa havia fracassado. O general Charles Mangin foi culpado pelo fracasso e se negou a tentar novamente.
Mais tarde, em maio, os alemães atacaram Mort-Homme, ao sul de Fort Douaumont. Também foi tomado o forte de Thiaumont e o forte Vaux foi bombardeado pelos canhões mais pesados. O assalto final foi iniciado em 1º de junho por cerca de 10 mil soldados que ocuparam a parte superior da fortaleza. Diante da resistência dos franceses nas casamatas subterrâneas, os alemães tentaram avançar, descarregando os lança-chamas em cada abertura.
O tenente-coronel Raynal soltou então seu último pombo-correio pedindo ajuda. O pássaro, intoxicado pelos gases, voltou à gaiola, mas numa segunda tentativa, voou até o comando em Verdun.
O exército francês desencadeou cinco ataques em quatro dias para salvar a assediada guarnição de Fort Vaux. Entretanto, apenas um desses ataques desesperados chegou às cercanias dos muros e foi rechaçado. A guarnição se rendeu em 7 de junho quando os defensores já estavam desesperados de sede. Além disso, milhares de ratos que se alimentavam dos cadáveres infestavam as trincheiras e tornavam ainda mais miserável a vida dos combatentes.
Em 1º de junho, a Alemanha lançou um ataque maciço. Começou com um pesado bombardeio de artilharia. Os franceses logo perceberam que havia algo de diferente: eram projéteis carregados de gás.
O gás “Cruz Verde” era conhecido tecnicamente como fosgênio. Os germânicos resolveram produzir um gás contra o qual as máscaras antigás francesas seriam ineficazes, enquanto as máscaras alemãs o neutralizariam. O gás persistiu durante dois dias devido a falta de vento.
Nesse mês de junho, as forças alemãs alcançaram o ponto máximo em seu avanço sobre Verdun. A partir daí a situação iria se inverter lentamente. Seu movimento tático era continuar pressionando rumo sul, na margem direita do Mosa, rumo Verdun. Em 21 de junho, 60 mil homens tomaram o reduto de Thiaumont e o povoado em ruínas de Fleury, lance importante para estabilizar a frente nessa zona. Trataram, a partir de 10 de julho, de incapacitar a artilharia francesa com mais de 60 mil projéteis de gás fosgênio, em parte ineficazes, uma vez que os franceses acabavam de se equipar com máscaras antigás de último tipo.
No momento do assalto, as tropas alemãs foram dizimadas pela artilharia francesa. A ofensiva rapidamente se deteve. O avanço se dera numa frente estreita, expondo as tropas alemãs mais avançadas aos ataques de flanco.
O início da Batalha de Somme em 1º de julho havia obrigado os alemães a retirar peças de artilharia de Verdun a fim de enfrentar a ofensiva anglo-francesa no norte.
No fim de 1916, as tropas germânicas estavam esgotadas e Falkenhayn foi substituído como chefe do Estado Maior por Paul von Hindenburg. Adjunto de Hindenburg, o general Erich Ludendorff logo adquiriu um poder quase ditatorial.
Em Verdun, entretanto, a carnificina sem sentido prosseguia, embora os franceses tivessem recuperado poder de fogo em sua artilharia. O exército francês lançou importante contraofensiva para recuperar Douaumont em outubro de 1916. A preparação, que durou seis dias, consumiu 530 mil projéteis de 75 mm, além de 100 mil projéteis de 155 mm. As baterias alemãs responderam, lançando uma tormenta de aço sobre a terra de ninguém, tentando frear um eventual ataque.
Designou-se a uma companhia francesa de engenharia e a um batalhão marroquino a tarefa do tomar a fortaleza. O ataque se iniciou rapidamente. Um obus de 400 mm começou a disparar sobre Douaumont. Os primeiros quatro impactos foram certeiros, mas não penetraram no interior. O quinto golpe trincou o teto sobre o túnel. Voltando à carga, o projétil seguinte entrou pelo mesmo ponto que o anterior, penetrou até o túnel principal mais abaixo, incendiando um armazém de munições. Douaumont foi capturado em 24 de outubro pela infantaria da Marinha francesa e em 2 de novembro os alemães evacuaram o forte Vaux.
A Batalha de Verdun prosseguiu em dezembro, algo irônico, pois os combates em Somme para aliviar a pressão e forçar seu término já estavam concluídos.
Em 1918 – e até o armistício –, o setor de Verdun seguiu sendo uma zona de combate ativo onde os adversários nunca deixaram de se enfrentar.
Por outro lado, a saída do general Petain do comando de Verdun em 1º de junho de 1916 e sua substituição pelo general Robert Nivelle havia tido um impacto negativo no moral dos soldados. Certo descontentamento começou a propagar-se entre os combatentes franceses em Verdun no verão de 1916. Houve deserções e os casos de insubordinação se tornaram habituais. Os oficiais por vezes a combatiam com a execução sumária dos que se negavam a avançar.
Na verdade, o objetivo alemão de infligir baixas desproporcionais ao exército francês nunca se alcançou. As perdas francesas em Verdun foram altas, porém só ligeiramente superiores às dos alemães.
O general Philippe Petain manteve mais de 100 mil homens em ação no campo de batalha de Verdun. Setenta por cento do exército francês passaram pelo “sorvedouro de Verdun” frente a apenas 25% das forças alemãs. Petain sempre foi um firme partidário do poder de fogo da artilharia e este foi o ponto central de sua estratégia.
Petain pôs em prática uma de suas marcas: a de não arriscar à toa a vida de seus soldados. As tropas o admiravam por isto, ainda que recebesse de militares do Alto Comando críticas por sua pusilanimidade. No entanto, as táticas conservadoras de Petain salvaram Verdun ao empregar a artilharia para manter afastadas as tropas inimigas. Os alemães se viram obrigados a retroceder devido ao número retumbante de baixas que sofriam a cada aproximação e acabaram perdendo o controle da batalha.
Depois da guerra, Falkenhayn foi culpado pelo fracasso e a carnificina em que se transformou a batalha.
As baixas militares francesas em Verdun alcançaram 371 mil homens, entre os quais 60 mil mortos, 101 mil desaparecidos e 210 mil feridos. O total das perdas alemãs nessa batalha alcançou 339 mil homens, dos quais 100 mil mortos. (Imagens: Wikimedia Commons)
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