Apesar de causa ter sido definida como indeterminada, o corpo do militar apresentava graves queimaduras
Luciana Marschall
O que era a esperança dos familiares do 3º sargento do Exército Brasileiro, Daniel Dedablio Poczwardowski, de 29 anos, que morreu em maio deste ano durante treinamento em Marabá, virou mais uma decepção nesta segunda-feira (10). Em “live” no próprio perfil do Facebook, a viúva Irla Oliveira falou sobre o resultado do laudo cadavérico que apontou a causa da morte como indeterminada.
“Hoje (segunda) faz 55 dias que o Daniel morreu. Fui à tarde ao Instituto Médico Legal (IML), no (Centro de Perícias Científicas) Renato Chaves, na esperança de buscar o laudo com a causa da morte do Daniel. O IML me entregou um laudo apontando que a causa da morte não foi definida. Causa indeterminada. Me desculpem, mas meu marido estava em um treinamento dentro do 52º Batalhão de Infantaria de Selva de Marabá, estava no chão, com a roupa de caçador, num sol de quase 40 graus”, desabafou.
De acordo com ela, o laudo afirma que o marido não tinha se alimentado naquela manhã. “Ele não tomou café da manhã, não foi fiscalizado se ele tomou café da manhã. De acordo com o IML, não tinha nada no estômago dele na hora da necropsia. Estava jogado no chão, num calor de 40 graus, morto há mais de três horas e o IML teve a coragem de me dizer que não tem a causa da morte dele. O inquérito instaurado (pelo Exército Brasileiro) ainda não foi finalizado, foi prorrogado”, afirma.
A mulher questiona a perícia cadavérica realizada. “Eu não sou perita, mas não consigo acreditar que o único local em que eu teria a esperança de ter a causa da morte dele, que era o IML, me deu uma resposta dessas. Três médicos fizeram perícia, fizeram exame histopatológico, toxicológico, de todos os possíveis, e não tem causa. Alguém me explica se isso é possível porque eu não estou conseguindo acreditar”.
Irla destaca que Daniel tinha 29 anos de idade e nunca havia apresentado doença grave. “Nunca teve doença, problema cardíaco, nada, e o IML tem a coragem de me dizer que não sabe se enfartou, se teve rabdomiólise. Cinco militares passaram mal, o Daniel foi achado morto e o sargento Costa até hoje está internado em Belém se recuperando”.
Leia também:Sargento do Exército morre durante exercício na selva amazônica
RELEMBRE
O sargento Daniel foi encontrado morto no dia 15 de maio, durante o Estágio de Caçador Militar. O 2º sargento Sidney Ribeiro Costa, que também passou mal, foi socorrido e acabou transferido para a UTI do Hospital Geral de Belém, do Exército Brasileiro, na madrugada seguinte. Ele já deixou a unidade de terapia intensiva (UTI), mas de acordo com Irla segue internado. Além dos dois, tiveram que receber socorro médico o 3º Sargento Paulo de Freitas, o 3º Sargento Rafael Camargo Ochi e o 3º Sargento Octávio Duarte Rocha, todos participando da mesma atividade.
Conforme Irla, o laudo aponta que o marido teve hemorragia generalizada e que não havia no organismo nenhum sinal de droga ou veneno. “Apresentou um nível de álcool baixíssimo que não contribuiu em nada na morte dele e simplesmente não tem causa, simplesmente não tem nada”, afirma, acrescentando que esperava encontrar na resposta do IML um pouco de paz.
“Eu estou revoltada, eu estou cansada e eu não aguento mais esperar. Não mereço isso, ninguém merece uma coisa dessas. Preciso de resposta. Agora vou ter que contratar médico, pedir outros exames e vão ser mais 50 dias, 60 dias, um ano de espera. Não durmo desde o dia 15 de maio. Quer dizer que não vou dormir por mais um ano? Isso é um absurdo e eu não estou recebendo nenhum tipo de resposta”.
Segundo ela, o resultado pode atrapalhar, inclusive, questões burocráticas decorrentes do falecimento do marido. “Por causa desse laudo a minha sogra não consegue receber o seguro de vida dele e eu não consigo quitar a nossa casa. Vou ter que continuar pagando a nossa casa sendo que meu marido pagou um seguro para que se caso essa fatalidade viesse a acontecer, a casa fosse quitada. O banco do quartel não quita a casa porque não tem causa. Eu não vou fazer a exumação do corpo do meu marido porque ele não merece isso, que fique claro que eu não vou fazer isso, o mínimo que ele merece é respeito, já que eu não estou sendo respeitada”.
Por fim, Irla Oliveira afirma que não está recebendo apoio algum da 23ª Brigada de Infantaria de Selva. “Nunca recebi uma ligação do quartel perguntando se preciso de alguma coisa. Estou em Marabá, onde tem quatro ou cinco quartéis, tem uma Brigada e Hospital de Guarnição. A única vez que procurei o psicólogo do HGuMba (Hospital de Guarnição de Marabá), num sábado, não me atendeu. Está no meu celular que ele só poderia me atender na terça-feira, entre 8 e 10 horas. Era o horário que ele poderia me atender, como se eu tivesse horário para sofrer”.
QUEIMADURAS
O advogo da viúva, Odilon Vieira, destacou que a declaração de óbito trouxe um elemento novo e importante para a família, apontando que o militar apresentava queimaduras de 2º e 3º graus em 40% da perna direita. “Ficamos surpreso com este fato, somado a isso a investigação secreta realizada pelo Exército e a surpresa maior foi a perícia ter apontado para causa indeterminada da morte, mesmo diante das queimaduras, cansaço físico e o fato de outros quatro militares terem passado mal”.
Ele ressaltou, ainda, as declarações do Exército Brasileiro feitas à época para a Imprensa, afirmando que o sargento recebeu primeiros socorros no local e que teria sido levado com vida para o Hospital Militar. “Estas afirmações foram provadas inverídicas pelo boletim de atendimento do hospital, que confirma o estado de rigidez cadavérica ao adentrar na casa de saúde”, diz ele.
A partir disso, diz, a defesa decidiu que irá representar ao Ministério Público Federal para que sejam investigadas as queimaduras encontradas no corpo de Daniel e para que se apure se houve tortura. “Também decidimos que iremos representar ao Ministério dos Direitos Humanos, diante da grave violação desse direito fundamental”.
O Correio de Carajás entrou em contato com a Assessoria de Comunicação da 23ª Brigada de Infantaria de Selva questionando informações acerca do andamento do inquérito que investiga o caso, mas até o momento não houve retorno. O diretor do CPC Renato Chaves, Augusto Andrade, se comprometeu a atender ainda hoje a Reportagem para tratar do assunto. Ao longo do dia estas informações serão atualizadas.
CORREIODECARAJÁS/montedo.com