BRUNO VILLAS BÔAS
LUIZA FRANCO
MARCO ANTÔNIO MARTINS
DO RIO
Das 11 medalhas conquistadas pelo Brasil até esta terça (16), nove vieram de atletas patrocinados pelas Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica).
Os nove medalhistas integram o programa de alto rendimento dos ministérios da Defesa e do Esporte, criado em 2008 e que apoia 670 atletas com soldo de R$ 3.200 mensais brutos, além de plano de saúde e odontológico. Somente neste ano, o programa investe R$ 43 milhões.
As exceções entre os medalhistas são o ginasta Diego Hipólito, 30, prata no solo, e o baiano Isaquias Queiroz, 22, prata na canoagem.
O programa foi criado para atrair atletas civis para reforçar os quadros das Forças Armadas durante os Jogos Militares de 2011, no Rio, e continuou neste ciclo olímpico.
Após o início do programa, o Brasil se tornou uma potência nos Jogos Militares. Em 2007, na Índia, havia ganhado três medalhas. Em 2011, liderou o quadro, com 45 medalhas de ouro.
Para receber o apoio, atletas precisam concorrer em editais públicos. Se aprovados, tornam-se militares temporários -terceiro-sargento do Exército, Marinha ou Aeronáutica. Eles passam a receber os benefícios dos militares da ativa.
Além do soldo e dos benefícios, os esportistas têm acesso a instalações militares para treinamentos, o que pode ser vantagem em algumas modalidades, como atletismo e tiro esportivo.
Segundo Felipe Wu, 24, prata na pistola de ar de 10 m nos Jogos do Rio, o apoio foi um "divisor de águas" para ele continuar praticando o tiro esportivo, modalidade que tem dificuldade para atrair patrocinadores.
Dispensado do serviço militar obrigatório, Wu tem contrato temporário como terceiro-sargento técnico desde 2013. O contrato tem prazo de um ano, mas pode ser renovado por oito consecutivos.
"Cada edital é para uma modalidade e não abre todo ano. Quando participei, só eu concorri, já que o tiro tem poucos praticantes. Outras modalidades foram mais concorridas. Eles avaliam currículo e teste prático", disse.
Para se tornar militar temporário, os atletas passam por um treinamento de 45 dias. Estudam a hierarquia militar, passam por teste físico, aprendem a marchar e a prestar continência.
Depois desse período, os atletas não vivem a rotina militar nem frequentam o quartel. São esporadicamente convocados para alguns eventos e obrigados a comparecer. A maioria nem frequenta as instalações militares.
Medalhista de prata na ginástica artística, Arthur Zanetti, 26, diz que seu clube em São Caetano do Sul, no ABC Paulista, já oferece a estrutura que ele precisa para treinar, como técnico, fisioterapeuta e o restante da equipe.
"Eu simplesmente faço parte da Força Aérea Brasileira. Eles me ajudaram nesses últimos meses. Mas a minha rotina não mudou em nada. Dão apoio de grana, quando precisa de alguma coisa, para ter um bem-estar", disse o ginasta brasileiro.
"A Marinha me deu todo o suporte durante o período que estive afastado da seleção", conta o boxeador Robson Conceição, que é da Marinha e prestou continência no pódio ao receber o ouro nesta terça (18) à noite.
Conceição e Zanetti estiveram entre os seis medalhistas que fizeram o gesto na entrega de medalhas. Os atletas e a cúpula militar, contudo, dizem que não há obrigação de prestar continência.
"Não houve ordem. Foi um gesto espontâneo que foi contaminando a delegação no Pan do Canadá, em 2015. Para mim, cada gesto daquele significa uma medalha", diz o general Fernando Azevedo e Silva, comandante militar do Leste e um dos idealizadores do programa.
O técnico de Zanetti, Marcos Goto, não gostou do gesto, no entanto. Na segunda-feira (15), ele criticou a forma como as Forças Armadas incentivam o esporte.
"Pegar atleta pronto é muito fácil. Quero ver apoiar até a criança chegar lá", disse. Procurado por militares, porém, Goto voltou atrás. Ele disse que tomou conhecimento do trabalho das Forças Armadas com jovens.
Segundo o Ministério da Defesa, 21 mil crianças são atendidas em 89 cidades do Brasil no programa Forças no Esporte, que também é custeado pelas pastas de Esporte e Desenvolvimento Social.
O programa custa R$ 25 milhões por ano, dinheiro que é usado na compra de alimentação e equipamentos. As aulas acontecem em unidades militares e são ministradas por voluntários ou membros das Forças Armadas.
MODELO
Marcus Vinícius Freire, diretor-executivo de Esportes do COB (Comitê Olímpico do Brasil) e ex-jogador de vôlei, afirma que o soldo das Forças Armadas é uma das partes do modelo de financiamento dos atletas do país.
"Quando eu jogava vôlei, recebia salário do meu clube e aquilo cobria meus custos. Hoje não é assim. Os atletas recebem do clube, dos militares, e as bolsas Pódio e Olímpica [do governo federal]. E esse combinado paga seus custos", disse ele.
Com 145 atletas, as Forças Armadas têm 31% dos 465 brasileiros na Rio-2016.
É um contingente maior do que o registrado em Londres-12, quando eles representavam 20% dos 259 atletas da delegação brasileira.
O programa, aliás, está perto de atingir sua meta na Olimpíada do Rio: conquistar dez pódios, independentemente da posição.
"Esta meta era um sonho que se torna realidade. Após a Rio-2016, o foco estará nos Jogos Mundiais Militares, na China, em 2019, e na Olimpíada de 2020", disse o ministro da Defesa, Raul Jungmann, que afirma que o programa será mantido no próximo ciclo olímpico.
REGRAS DO ATLETA MILITAR
- Atender às convocações feitas pelas Forças Armadas para a disputa de competições classificadas como relevantes para os militares;
- Apresentar relatórios sobre o treinamento esportivo;
- De acordo com as Forças Armadas, o atleta não é orientado a prestar continência quando estiver no pódio;
- O atleta é dispensado de exercer funções administrativas ou militares.
Colaboraram MARIANA LAJOLO e LUCAS VETTORAZZO, do Rio.
FOLHA DE SÃO PAULO/montedo.com