Karine Chacon Brasil
Eu tinha 24 anos, estava noiva há menos de um ano, havia chegado há alguns meses do exterior, após ter morado fora por um curto período. Preparava-me para subir ao altar e me casar com um militar do Exército Brasileiro, quando recebi a notícia de que o meu futuro marido serviria em Cucuí, na tríplice fronteira do Brasil com Venezuela e Colômbia, no Amazonas. Eu desconhecia completamente esse lugar. Nunca havia ouvido falar a respeito. Não sabia nem ao menos que Cucuí fazia parte de uma região brasileira. Curiosa, pesquisei muito. Li livros, assisti a documentários, ouvi depoimentos de pessoas que já moraram lá. E quanto mais me informava, mais amedrontada eu ficava.
Muitas pessoas me relataram experiências vividas em longínquas fronteiras espalhadas pelo Brasil. Estava prestes a me deparar com uma realidade bem diferente da minha, num lugar completamente isolado da civilização. Senti medo de ter que enfrentar essa mudança radical em minha vida. Senti medo de abandonar os estudos, a profissão; senti medo de contrair uma doença tropical; senti medo de ficar longe da minha família. Na tentativa de minimizar esse sentimento, procurei não mais o potencializar. Eu precisava focar no que realmente me traria coragem para enfrentar o desafio que estava prestes a viver.
Passei a pensar positivamente, pois, naquela remota localidade, eu haveria de encontrar motivações para seguir minha vida. Tudo dependia de mim, da minha mente, da minha vontade de querer estar ali...
Cheguei a Cucuí de barco, depois de um dia e meio de viagem. Ali moravam em torno de 1.000 habitantes indígenas e 17 famílias militares. Uma realidade que, para muitos, chocaria.
O silêncio me incomodou. Eu estava acostumada com a confusão da cidade grande. Morar em Cucuí fez-me perceber como a simplicidade é valorosa e como podemos ser felizes com tão pouco.
Eu não era a única esposa de militar que havia aceitado morar naquelas condições precárias, sem um mínimo de conforto, para acompanhar o marido em sua missão de servir à Pátria. Uma realidade pouco conhecida. Afinal, normalmente escuta-se falar da bravura dos guerreiros de selva, esquece-se das guerreiras que estiveram na retaguarda durante toda a luta. O que muitos não sabem é que a maioria delas se envolve em atividades em prol das comunidades carentes das regiões brasileiras, que elas têm uma luta diária, um árduo trabalho voluntário de amor ao próximo por onde passam, e que elas também representam, de maneira significativa, a Pátria brasileira.
A união dessa mistura de guerreiros, o amor à Pátria e o amor ao próximo resultam na conquista de bons resultados e da confiança da comunidade pelo pelotão de fronteira, resultam nos laços de amizades estabelecidos durante as ações, os quais se tornam o elo mais forte e mais próximo que temos na fronteira. Por isso a importância de se saber lidar com todos os povos, todas as raças, as culturas e as adversidades.
Em Cucuí, conheci um grupo de voluntárias, esposas de militares, que residiam em São Gabriel da Cachoeira. O grupo se chamava Jovens Guerreiras e as atividades desenvolvidas por ele aconteciam naquela cidade, que ficava a um dia e meio de viagem de barco do Distrito de Cucuí. Por ter visto com os meus próprios olhos a triste realidade daquele distrito, busquei, com elas, soluções para os problemas observados.
Éramos uma grande família, composta por militares, esposas e filhos que se uniram em prol de um bem maior: a melhoria da qualidade de vida dos indígenas da região.
Naquele período, conseguimos construir, com materiais doados e vindos de Brasília e de outras regiões, uma sala de computação e uma barbearia para aplicarmos cursos profissionalizantes aos membros da comunidade. Também construímos uma brinquedoteca, onde realizamos atividades lúdicas educativas e aulas de teatro para as crianças. Com outras doações de diversas instituições e de pessoas, construímos um parquinho que levou vida e alegria àquelas pessoas.
Foram dois anos em que desenvolvemos diversos cursos profissionalizantes com o apoio do Centro de Educação Tecnológica do Amazonas (CETAM), que conferiu certificados aos alunos. Além disso, o Exército Brasileiro prestou apoio com o transporte de materiais doados e com a alimentação e a hospedagem dos professores. Para concluir, formamos em torno de mil pessoas em São Gabriel da Cachoeira e nos Pelotões Especiais de Fronteira da região.
Carrego comigo os ensinamentos de uma luta diária por dois anos, quando estivemos diante de corajosos e solidários soldados e seus familiares, em especial, suas esposas, aquelas que permaneceram ao lado de seus maridos até o final da missão. Muitas delas largaram os estudos, abandonaram os trabalhos, colocaram-se em segundo plano para preservar um bem maior: a família.
Quando fui embora de Cucuí, eu e minha amiga Adriana Haas (esposa e filha de militar) demos início a um novo projeto social, chamado Rompendo Mais Fronteiras. Hoje a nossa equipe é composta por, aproximadamente, 60 mulheres voluntárias, em sua maioria, esposas de militares espalhadas Brasil afora. Temos em torno de dez grupos de whatsapp, separados por localidade e, por meio dessa comunicação via redes sociais, damos suporte às cidades contempladas pelo projeto.
Dessa maneira, reimplantamos cursos profissionalizantes na fronteira do Brasil, em Cucuí. Retomamos uma iniciativa de extrema importância na minha vida e na vida dos moradores daquele lugarejo.
Mesmo morando em vários rincões do País, a família militar, de uma maneira ou de outra, sempre permanece unida com o intuito de apoiar comunidades carentes do Brasil. Sentimos orgulho por termos um projeto que, com poucos recursos, mantém o trabalho solidário ativo e o foco em áreas fronteiriças brasileiras.
A atuação dos militares na fronteira é essencial para as regiões mais distantes e de difícil acesso, não apenas pela defesa da Pátria e pela preservação da Amazônia, mas, também, pela ação cívico-social exercida pela família militar, que é um trabalho voluntário e muito honroso para todos os seus integrantes.
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