O Superior Tribunal Militar (STM) manteve a condenação de um subtenente do Exército pelo crime de violação do dever funcional, com o fim de lucro (artigo 320 do Código Penal Militar - CPM). O militar foi denunciado por ter agido em favor próprio, durante um processo licitatório no 40º Batalhão de Infantaria (40º BI), em Crateús (CE). O Tribunal, no entanto, diminuiu a pena de cinco anos para três anos e dois meses de reclusão, mas manteve sua exclusão das Forças Armadas.
De acordo com a denúncia do Ministério Público Militar (MPM), no final de 2010, foram realizados no âmbito do 40° BI dois processos licitatórios com o objetivo de contratar uma empresa para a confecção de Módulos Móveis de Apoio à Operação Pipa.
A Operação Pipa é feita pelo Exército e tem o intuito de fazer a distribuição de água aos flagelados da seca no semiárido nordestino e no norte de Minas Gerais.
As licitações teriam sido conduzidas pelo subtenente, sendo feito, na oportunidade, um empenho de R$ 18 mil e um outro empenho de R$ 25 mil e o militar teria atestado o recebimento dos dois módulos. Ocorre que a Administração Pública identificou que o produto referente ao segundo valor não tinha sido entregue no Batalhão e que o material estava em falta.
De acordo com as investigações, o militar havia informado ao proprietário da empresa que este havia ganhado a licitação referente aos R$ 25 mil, o que se comprovou mais tarde ser uma fraude. Visando se beneficiar da situação, o subtenente informou ao empresário que, apesar de a empresa ter vencido o pregão, não seria necessário entregar o material no quartel, apesar de ter sido emitida uma ordem bancária pelo 40° BI, em dezembro de 2010, em favor da empresa, no valor de R$ 22.787,50.
O militar disse também ao proprietário da empresa que seria necessário apenas repassar o dinheiro referente ao produto para o réu, porque ele iria utilizar o recurso para pagamento de dívidas do quartel.
Na peça acusatória, a promotoria arguiu que restou comprovado que, no decorrer do mês de janeiro de 2011, foram efetuadas transações bancárias (transferências e depósitos), por parte do ex-fornecedor para a conta particular no militar, no Banco do Brasil, conforme identificado em quebra de sigilo bancário, que somou R$ 18.925,00.
Denunciado junto à Justiça Militar da União, em juízo, o subtenente disse que recebeu valores em sua conta depositado pela empresa, mas eram para pagar serviço feito por sua mulher ao empresário e que a sindicância aberta no quartel era uma perseguição contra ele, feita por parte de oficiais daquele batalhão.
No julgamento de Primeira Instância, na Auditoria de Fortaleza, o Conselho Permanente de Justiça (CPJ) decidiu por condenar o militar, como incurso nas sanções do artigo 320, caput, do Código Penal Militar, por maioria de votos, à pena final de cinco anos de reclusão, com a possibilidade de apelar em liberdade e sem o benefício do sursis por vedação legal, com a aplicação da pena acessória de exclusão das Forças Armadas (artigo 102, do Código Penal Militar).
Apelação no STM
Inconformada com a decisão do juízo de Fortaleza, a defesa do subtenente resolveu apelar junto ao Superior Tribunal Militar (STM), em Brasília. O advogado alegou que o réu não participou do processo licitatório do módulo móvel e ratificou que não havia provas nos autos de que os valores depositados na conta do apelante seriam da Administração Militar ou teriam a finalidade de pagar bens adquiridos pelo quartel.
O advogado também defendeu que os fundamentos da sentença condenatória estavam equivocados e contraditórios, uma vez que as transações bancárias não foram efetuadas no período dos fatos, mas sim em datas totalmente diversas, afirmando, ainda, que tais depósitos se referem a pagamentos de outras notas fiscais e que estavam acostadas aos autos. Disse também que os depósitos realizados na conta do réu eram referentes a honorários devidos à esposa do réu relativos à compra e à aquisição de materiais para papelaria e pediu a absolvição por falta de provas.
Ao analisar o recurso de apelação, o ministro relator, Marcus Vinicius Oliveira dos Santos, deu provimento parcial à defesa e reduziu a pena aplicada para três anos, dois meses e 12 dias de reclusão, sem direito ao sursis, e com a pena acessória prevista no artigo 102 do CPM (Exclusão das Forças Armadas).
Em seu voto, o relator fundamentou que o laudo da perícia criminal federal comprovou que o acusado recebeu em sua própria conta corrente quatro transações bancárias, entre 06 e 21 de janeiro de 2011, oriundas da empresa, no montante total de R$ 18.925,00.
“Vê-se que as transações bancárias operadas entre 06 e 21 de janeiro de 2011 se encontram em data muito próxima à do recebimento do numerário pelo civil, 30 de dezembro de 2010, decorrente do processo licitatório. Tudo a demonstrar tratar-se de uma conduta criminosa acordada entre as partes envolvidas, ao contrário do que pretende fazer crer a tese defensiva".
O ministro informou que a defesa também aduziu que o módulo móvel objeto da ação penal foi efetivamente entregue, ao contrário do que restou consignado na Sentença. "De fato, foi efetivamente entregue um módulo semelhante ao licitado, porém não em 21 de dezembro de 2010, mas apenas no curso da sindicância, em dezembro de 2011, o qual foi examinado e avaliado por uma Comissão conforme Termo de Recebimento de material, ingressando efetivamente como bens da Fazenda em 04/06/2012".
Para o ministro Marcos Vinicius, ao final da instrução criminal, restou provado que o réu conduziu o suposto procedimento licitatório para a aquisição de um módulo móvel de apoio à Operação Pipa, mas que em verdade, não existiu a entrega desse segundo módulo, embora o apelante tenha atestado o seu recebimento em 21/12/2010.
“O material só foi entregue em dezembro de 2011 após transcorrido um ano do processo para aquisição do equipamento e apenas porque descobriu-se a fraude.”
O ministro afirmou que o militar atuou de forma incompatível com a rotina administrativa do quartel, praticando atos que não correspondiam às suas atribuições, e atestou falsamente o recebimento de material, objetivando obter vantagem pecuniária, objetivo que, ao final, veio a se concretizar.
“Inconteste que se não fosse a conferência pelo servidor do almoxarifado dos bens do 40º BI, o crime passaria despercebido e a ação delituosa do apelante seria exitosa. Tal fato denota, claramente, a prática criminosa especulativa que levou o apelante a auferir, comprovadamente, vantagem indevida. O apelante tem mais de vinte anos de trabalho e possui diversos cursos na área de licitações e contratos, bem como de pregoeiro. Logo, sabia perfeitamente o que estava fazendo", votou o ministro Marcos Vinicius.
Para diminuir a pena em um quinto, o relator usou o fundamento da atenuante contida na alínea ‘b’, do artigo 72 do CPM, “pois o réu buscou minorar as consequências do crime, entregando à Administração Militar produtos similares”. Por maioria, os demais ministros do STM acompanharam o voto do ministro relator.