28 de junho de 2016

Minas Gerais: o porta-aviões que provocou uma crise militar e seu triste fim

Duas matérias que resumem a história do primeiro porta-aviões brasileiro

A compra do porta-aviões
Porta-aviões Minas Gerais
No final de seu primeiro ano de mandato, ainda sob forte oposição de setores das Forças Armadas, Juscelino Kubitschek achou prudente atender a uma reivindicação da Marinha e da Aeronáutica – e autorizou a compra do porta-aviões inglês Vengeance, que no Brasil foi rebatizado Minas Gerais.

Custou 82 milhões de cruzeiros. "Se o preço da submissão da Marinha à Constituição é o porta-aviões", ponderou JK, "acho que vale a pena".
Logo se deu conta de que as coisas não correriam exatamente conforme planejara. Para começar, o compositor e cantor Juca Chaves glosou o acontecimento nos versos de uma marchinha:

"Brasil já vai à guerra
comprou porta-aviões
Um viva pra Inglaterra
de 82 milhões
– ah, mas que ladrões!"

E foi o de menos, a irreverência do menestrel. Longe de aplacar os ânimos dos militares, o Minas Gerais veio abrir uma crise entre a Aeronáutica e a Marinha, que disputavam o direito de controlar os aviões embarcados. A pendenga se arrastaria até 1964, quando o governo Castelo Branco deu ganho de causa à Aeronáutica.


Navios também morrem: o triste fim do porta-aviões Minas Gerais
O triste fim do NAEL Minas Gerais (A-11)

Paulo de Tarso
O Navio-Aeródromo Ligeiro Minas Gerais (A-11), que serviu em três marinhas de guerra ao longo de cinquenta e seis anos e foi primeiro porta-aviões da Armada brasileira, encontrou seu fim ao lado de tantos outros bravos guerreiros do mar: nas impiedosas praias de Alang, na Índia, maior centro mundial de sucateamento de navios.

No Reino Unido: símbolo de liberdade

O HMS Vengeance (R-71) foi construído entre 1942 e 1945, no Reino Unido, para ser usado contra os japoneses, no Pacífico mas não chegou a entrar em combate: estava em Sidney, na Austrália, quando veio a paz.
Primeiro navio britânico a entrar em Hong Kong após o armistício, foi onde os japoneses assinaram sua rendição e serviu de base aliada para a reconstrução da cidade. Durante muitos meses, foi o símbolo mais concreto e visível que a guerra finalmente terminara e que a vida, em breve, voltaria ao normal. Até hoje, o Vengeance, o nosso Minas, é lembrado com carinho pela população de Hong Kong.

Na Austrália: substituto temporário



Teve curta carreira na Marinha Britânica. Em 1952, foi emprestado à Marinha Australiana por quatro anos. Os australianos tinham comprado um porta-aviões britânico cuja construção estava bastante atrasada: “vai usando esse aí enquanto o seu não fica pronto”, disseram os ingleses.

Agora com o novo prefixo HMAS (Her Majesty’s Australian Ship), o Vengeance de novo quase entrou em combate, na Guerra da Coreia, chegou a ser preparado e tudo, mas mandaram outro navio.

No Brasil: orgulho da frota


Devolvido ao Reino Unido em uma época de vacas magras e cortes orçamentários, o Vengeance foi descomissionado e acabou vendido ao Brasil por nove milhões de dólares. Era uma época de euforia por aqui. Estávamos construindo uma nova capital e, agora, comprávamos um porta-aviões, o primeiro de uma Marinha latino-americana. (Além disso, JK tinha enfrentado forte oposição das forças armadas e o Minas era uma excelente maneira de ganhá-las com mel, não com vinagre.)
Rebatizado Navio-Aeródromo Ligeiro (NAeL) Minas Gerais (A-11), ele nos deu cinquenta anos de serviços. Foi o capitânia (ou seja, o navio mais importante) da Armada Brasileira. Entrávamos assim no seletíssimo grupo de países com porta-aviões, grupo que hoje inclui somente nove membros.
A diplomacia e o comércio internacional, sem forças armadas por trás, são somente exercícios de retórica. O Brasil sempre soube que não podia ter forças armadas capazes de encarar os Estados Unidos, mas que não podia se dar ao luxo de não ter forças armadas capazes de projetar nosso poder em Angola ou na Argentina. Na verdade, forças armadas são o único tipo de seguro que uma nação pode ter: você gasta aquele dinheiro e torce pra não usar.

Uma espada nunca desembainhada
Felizmente, nunca precisamos usar o bravo Minas Gerais. O mais perto que chegamos disso foi durante a Guerra da Lagosta, quando toda a Armada foi mobilizada para encarar os franceses, mas o Minas, recém-chegado, ainda não estava em condições de se locomover.
Cinquenta e seis anos depois de construído, o Minas foi descomissionado em 2001. Era o último dos porta-aviões ligeiros da Segunda Guerra Mundial ainda ativo e também o mais antigo porta-aviões em operação. E, mesmo tendo passado por três marinhas em um século convulsionado, na interessantíssima expressão inglesa, 'never fired a shot in anger', ou seja, “nunca disparou irritado”, querendo dizer que jamais participou de combates e todos os tiros que disparou foram em treinamentos ou simulações.


Um novo capitânia que conduz mas não é conduzido
O atual capitânia da Armada brasileira é o Navio-Aeródromo (Nae) São Paulo (A-12), hoje o maior navio de guerra do hemisfério sul. Comprado em meio a muita polêmica em 2000, o São Paulo foi, durante quarenta anos, o porta-aviões Foch, da Marinha Francesa, onde participou de diversas ações de combate, no Iêmen, Djibuti, Líbano, Líbia e Iuguslávia. Que tenha vida mais pacífica no Brasil!

Como um cão sacrificado

Enquanto isso, ninguém quis o velho Minas, onde tantos homens suaram por tanto tempo. A associação de ex-tripulantes britânicos tentou comprá-lo, para que fosse um museu flutuante, mas não conseguiram levantar o dinheiro. (Essa página traça uma cronologia dos últimos meses do Minas e dos muitos esforços para salvá-lo.) Em julho de 2002, for vendido por cerca de dois milhões de dólares para um estaleiro chinês.

Como um velho cachorro já sem controle sobre as próprias pernas, o Minas Gerais saiu do Rio de Janeiro rebocado, abandonando assim a baía que foi sua casa por quarenta anos, e foi em direção à eutanásia nas areias de Alang, na Índia.
Alang é um dos lugares mais infernais e desagradáveis, distópicos e apocalípticos do mundo. Quilômetros e quilômetros de praias repletas de destroços, diantes das quais navios desenganados se amontoam, esperando sua vez diante da faca do açougueiro. Então, encalham naquelas areias imundas e são prontamente desmembrados por uma multidão de gente desesperada e desesperançada, sem ferramentas e sem segurança, que se atiram sobre os navios como gafanhotos desesperados.
E esse foi o triste fim do nosso Minas.
Para saber mais
- Belíssima e completíssima página do NAeL Minas Gerais no site Navios de Guerra Brasileiros.
- Matéria sobre o desmanche de navios em Alang, um dos lugares mais infernais da terra.
Tributo ao Minas no Poder Naval, melhor site brasileiro sobre assuntos navais.

PROJETO MEMÓRIA/PAPO DE HOMEM/montedo.com

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