ESPECIAL
Até 2017! Sem dinheiro, Marinha do Brasil vai hibernar por 18 meses torcendo para que, no fim do ano que vem, as boas notícias voltem a aparecer…
Roberto Lopes
A Marinha do Brasil entrou em estado de hibernação.
Há muito pouco a fazer para melhorar a situação operacional da Força, diante do congelamento orçamentário imposto, com intensidade devastadora, pelo chamado Ajuste Fiscal do governo.
Uma fonte da Diretoria-Geral de Material da Marinha (DGMM) relatou à coluna INSIDER que a corporação perdeu a capacidade de adquirir meios navais este ano. Mesmo para os navios de segunda mão – ou “oportunidade”, como gostam de chamar alguns chefes navais – falta um mínimo de recursos.
De acordo com um oficial da Secretaria-Geral da Marinha que esteve ligado à gestão dos recursos do Fundo Naval e à coordenação das aplicações financeiras que preservam o volume do Fundo no exterior, fornecedores insistentes – como a empresa sueca Kockums, que tenta empurrar para a Força de Minagem e Varredura, na Bahia, dois caça-minas classe Landsort usados pelo preço de um novo – precisariam respaldar suas ofertas em um plano de financiamento a perder de vista, com a primeira quitação vencendo somente na metade final do ano que vem.
Mas é preciso dizer que nem todos os problemas da Marinha se restringem à falta de dinheiro decretada pela crise econômica.
O caso EISA – Nos últimos anos a Marinha investiu alguns milhões dos seus preciosos e escassos dólares em ao menos dois programas claramente deficientes do ponto de vista técnico. E que, é forçoso admitir, passaram todo o ano de 2015 emitindo alertas de que não iam bem: o da elevação das aeronaves AF-1 (ex-A-4KU) do Esquadrão VF-1 Falcão da Força Aeronaval, ao padrão AF-1A, e o da construção, no estaleiro EISA (Estaleiro Ilha S.A.), do Rio de Janeiro, dos navios-patrulhas costeiros classe Macaé.
Segundo esta coluna apurou com exclusividade, a Marinha suspendeu, temporariamente, a entrega que a empresa alemã MTU deveria fazer de motores para dois classe Macaé que se encontram trancados dentro do estaleiro em estágio avançado de fabricação: o Maracanã, destinado ao 4º Distrito Naval, e a Mangaratiba, que ficaria no Rio mesmo, para reforçar os meios do 1º Distrito Naval.
Motivo da suspensão da entrega dos motores: a má qualidade da construção dessas embarcações.
O que não se compreende é como esse problema não foi detectado antes, gerando alguma reação importante do setor de Material da corporação.
O EISA fechou as portas e demitiu todos os seus funcionários. Os chefes navais ainda tentaram garantir a entrega de seus patrulheiros Macaé, patrocinando um acordo operacional entre a empresa fluminense e o afamado estaleiro espanhol Navantia. Mas o arranjo não surtiu o efeito esperado.
Um ano e meio atrás, a previsão é que, neste primeiro semestre de 2016, a Marinha já estivesse operando quatro navios-patrulha classe Macaé, e na expectativa de receber o Miramar, sua quinta unidade, destinado ao 3º Distrito Naval. Mas tudo isso, agora, ficou sem prazo.
A Marinha terá, certamente, que ingressar na Justiça, para resguardar os seus direitos (e os mais de 90 milhões de Reais já pagos) no caso dos patrulheiros.
Condenado
O assunto da modernização, coordenada pela Embraer Defesa, dos caças-bombardeiros Skyhawk adquiridos à Força Aérea do Kuait no fim da década de 1990 é tão, ou mais, constrangedor que a má execução do projeto Macaé pelo EISA.
O oficial que serve na DGMM lembrou que, em meados de 2015, depois que o Comandante da Marinha, almirante Eduardo Leal Ferreira, se deslocou até o município paulista de Gavião Peixoto para receber da Embraer a primeira aeronave “modernizada”, blogueiros habituados a bajular a Força Naval previram que outras aeronaves remodeladas nesse mesmo “padrão” voariam antes do fim do ano. E relata:
“Procurei no blog deles alguma nota pedindo desculpas aos leitores, pois eles haviam garantido a entrega de mais dois A4 pela Embraer, ainda em 2015. Nós da DGMM sabíamos que o avião não estava operando. Que ele só voava. Em melhores condições que antes, mas só isso. Voava. A integração do armamento ficou deficiente. Tanto que a Embraer foi multada. A partir daí, [a Embraer] chamou os israelenses para realizar o trabalho”.
Há outras opiniões, ainda mais drásticas.
Um comandante da Marinha amigo desta coluna e que serviu na Diretoria de Sistemas de Armas costuma qualificar a iniciativa de atualização dos Falcões como “um programa condenado”. Até porque, conforme se sabe, as aeronaves “modernizadas” permitirão o adestramento dos pilotos em defesa aérea sobre áreas marítimas, mas estão inabilitadas a cumprir missões contra alvos de superfície, por exemplo.
Estaleiros
Dois mil e dezesseis não reserva apenas agruras à Marinha, claro.
Aqui e ali acontecerão momentos de regozijo, como o que acontecerá no mês de março, com a chegada ao Rio de Janeiro do navio de desembarque multipropósito Bahia (ex-Siroco), comprado à França.
O problema é que esse justificado orgulho não irá perdurar ao longo de toda a corrida de obstáculos em que devem se constituir os próximos 18 meses.
Por exemplo: ainda este ano o almirante Leal Ferreira precisará decidir, em conjunto com a direção da Empresa Gerenciadora de Projetos Navais (EMGEPRON), o tipo de aporte financeiro que sua Força fará ao programa trinacional (Colômbia/Brasil/Peru) de desenvolvimento de um novo tipo de navio-patrulha fluvial – se é que a EMGEPRON permanecerá nesse programa.
O estaleiro colombiano Cotecmar propõe um modelo de embarcação inspirado no navio-patrulha pesado colombiano tipo PAF III – espécie de fortaleza blindada flutuante, cujos requisitos de habitabilidade – excessivamente espartanos – fogem completamente à tradição de conforto mínimo que os chefes navais brasileiros procuram garantir às suas tripulações.
Os desvios sistemáticos de recursos na Petrobras dos últimos 13 anos, bem como o impacto das revelações da Operação Lava Jato, atiraram na incerteza as perspectivas de trabalho em mais de uma dezena de estaleiros cujos negócios estão fortemente vinculados à estatal brasileira do petróleo. E a Marinha está pegando a rebarba dessa tormenta.
Hoje, a Força Naval brasileira está em piores condições para renovar a sua frota com base em construções nacionais do que as Marinhas da Colômbia – que possui o estaleiro Cotecmar trabalhando a todo vapor –, do Peru – que investiu fortemente na qualificação do Servicio Industrial de la Marina (SIMA-Peru) – e do Chile, que tem a indústria naval Asmar (Astilleros y Maestranzas de la Armada) envolvida em ao menos três grandes projetos (um modelo de OPV derivado do Fässmer OPV 80 alemão, uma lancha de desembarque pesada e um navio quebra-gelos de 7.000 toneladas) para a sua Esquadra.
Contraste
Um anúncio dos patrulheiros oceânicos que estão sendo construídos pela empresa estatal chilena Asmar, e o vazio existente, já há alguns meses, no estaleiro EISA, do Rio de Janeiro
HibernaçãoestaleiroEISAvaziomedia
Apesar de manter o seu Centro de Projetos de Navios empenhado no programa da corveta CV 03 classe Tamandaré, a Marinha do Brasil dificilmente disporá de recursos, este ano, para fazer avançar esse projeto; e nem conta com qualquer estaleiro, em território nacional, construindo navios militares.
A Força guarda apenas uma certa competência para fazer reparos em navios da Força de Superfície, nas instalações do Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro.
A manutenção de maior porte requerida por alguns submarinos da classe IKL-209 deverá ser feita em Kiel, na Alemanha – quando houver dinheiro para isso, é claro.
Amazônia
Os almirantes também precisarão tentar dar andamento a projetos no interior do país, marcados por necessidades urgentes e sucessivos adiamentos de cronograma.
Nessa situação está a conversão da atual Delegacia Fluvial de Porto Velho em Capitania Naval Madeira-Mamoré – uma iniciativa da área do 9º Distrito Naval (Amazônia Ocidental) que data de 2009 (!) – e a instalação das agências fluviais de Sinop, Alta Floresta e Juruena, no norte de Mato Grosso, jurisdição do 6º Distrito Naval.
O prédio-sede da Delegacia Fluvial de Porto Velho, OM da Marinha que será transformada em Capitania Fluvial Madeira-Mamoré
Com jurisdição sobre os estados do Amazonas, Roraima, Rondônia e Acre, a Capitania Fluvial da Amazônia Ocidental, sediada em Manaus, registrou, em 2015, o maior número de acidentes fluviais em toda a Amazônia (entre aqueles que foram informados às autoridades, naturalmente): 38. A Delegacia Fluvial de Porto Velho (futura Capitania Madeira Mamoré) vem em seguida, com 14 ocorrências.
Então, a partir do fim de 2017, começarão (possivelmente) a surgir as boas notícias, sobre a modernização dos helicópteros Lynx na Inglaterra, a fase final dos trabalhos de reforma de alguns bimotores americanos que servirão ao transporte de carga e ao reabastecimento em voo dos caças AF-1, a entrega ao Corpo de Fuzileiros Navais dos CLANFs (veículos anfíbios) modernizados nos Estados Unidos…
É esperar para ver. Caso consigamos nos manter à tona.
PLANO BRASIL/montedo.com