Atirador do Brasil nos JMM, Marcelo Pires ficou depressivo por 13 anos após fratura no tornozelo virar paralisia de dois nervos. Recuperado, perdeu 44kg em um ano
Rio de Janeiro - Conhecer a história de Marcelo Pires é algo que faz você repensar uma série de fatos. Uma obra que pode ser comparada à de gênios como Ludwig van Beethoven, compositor alemão que perdeu a audição ainda novo, ou Van Gogh, pintor holandês que cortou uma das orelhas e sofria de depressão. Não são todos os dias que contamos o renascimento de uma pessoa que viveu 13 anos na depressão, enfurnada dentro de casa e sem vontade de seguir em frente. Depois de sofrer mais de 4.745 dias, o paratleta de tiro com arco do Brasil nos Jogos Mundiais Militares sabe que nenhuma medalha esportiva irá substituir o seu maior troféu: a vida.
Em 2000, aos 23 anos, o apaixonado por esportes competia nas Olimpíadas Militares de Campinas. Um lance aparentemente simples mudava sua trajetória. Marcelo corria, quando sentiu seu pé entrar em um buraco e sua articulação do tornozelo quebrar. No hospital, o diagnóstico era por engessar a região. Após seis meses de fisioterapia, a dor continuava. Um procedimento cirúrgico veio e a informação do quadro de artrose e paralisia de dois nervos também. O homem que vendia saúde precisava se afastar de suas funções nas Forças Armadas. A palavra "reformado" dava calafrios.
- Para mim, foi muito difícil. Ali, parou a minha vida. Fiquei entristecido de não poder dar continuidade nas Forças Armadas, entrei em depressão. Quando a gente é militar, servir nossa pátria incondicionalmente é o que nos faz viver. Eu não podia mais.

- Não fiz nada, engordei, cheguei a pesar 152kg, em 2013. Tomava remédios, tive pressão alta, não encontrava forças para levantar da minha cama. Pensei em me suicidar. Não entendia o motivo daquilo estar acontecendo comigo, não aceitava (estar inativo) por um pé travado. Perdi meu pai.
Ao seu lado durante todo esse tempo estava Vivian, a namorada desde os 18 anos (hoje tem 38). Foi com o apoio dela, de sua mãe e de seu pai, enquanto ainda vivo estava, que Marcelo não pôs tudo a perder. A virada veio de uma maneira tão improvável quanto o calvário que se encontrava. O esporte devolvia sua esperança tirada mais de uma década antes.
- Eu conheci o esporte adaptado de maneira inusitada. Fui no hospital para uma consulta e conheci um rapaz cadeirante que tinha um carro adaptado. Perguntei como ele fazia. Ele me mostrou e perguntou se eu não praticava nenhum esporte adaptado, por causa da minha envergadura. Voltei para casa com aquilo na cabeça e fui na internet. Como adorava vôlei, fui ver algo e encontrei o vôlei sentado. O problema é que só tinha em São Paulo, capital. Achei o basquete em Campinas e fiz por seis meses, me adaptei rápido e disputei um campeonato. Voltei a viver.
CAMPEÃO OLÍMPICO AJUDA IDA AO VÔLEI SENTADO
Marcelo Pires percebeu que, depois de sobreviver 13 anos à depressão e conseguir ser um bom jogador de basquete adaptado, num curto espaço de tempo, a distância para São Paulo estava longe de ser um adversário impiedoso. Como muitas coisas na sua vida, a imprevisibilidade voltou a bater em sua porta.
- Um dia tive a oportunidade de conhecer o Amauri Ribeiro, campeão olímpico e hoje presidente da Confederação Brasileira de Voleibol para deficientes (CBVD). Ele me chamou para um teste, eu fui. Em quatro meses, estava na seleção brasileira. Depois, fui para o Mundial com a seleção e levamos a prata na Polônia. Fiz algo que outros jogadores demoram muito tempo para conseguir. Me sinto um privilegiado.
Dois anos se passaram e os limites do paratleta não chegou. Mesmo adaptado e na seleção de vôlei, ele queria mais. Descobriu a possibilidade de fazer em teste para a seleção de tiro com arco. Passou, mais uma vez.
- Sou federado há apenas três meses. Em dois meses, atingi o alvo de 70m que, geralmente, as pessoas demoram de oito meses a um ano. Tenho facilidade de adaptação aos esportes, é louvável disputar quantas modalidades existirem. Já tentei até a esgrima de cadeira de rodas, em Campinas. Na esgrima tem a facilidade da minha envergadura de 2m.

Marcelo Pires e outros três paratletas brasileiros fazem parte da história do paradesporto militar. Serão os primeiros a competirem na história dos Jogos Mundiais Militares, que estão na sexta edição. Ela acontece dos dias 2 a 11 de outubro na Coreia do Sul. Oito cidades (Mungyeong, Pohang, Gimcheon, Andong, Yeongju, Yeongcheon, Sangju e Yecheon) receberão 24 modalidades. São esperados mais de 7 mil atletas de 120 países. Atual campeão do quadro de medalhas dos JMM de 2011, no Rio de Janeiro, o Brasil leva sua maior delegação da história. São 283 competidores contra 268 de quatro anos atrás. A meta é ficar entre os cinco melhores no quadro de medalhas. China e Rússia são considerados os favoritos.
Globo Esporte/montedo.com