6 de outubro de 2015

Jogos Mundiais Militares: o renascimento do paratleta que quis se matar e viveu pelo esporte

Atirador do Brasil nos JMM, Marcelo Pires ficou depressivo por 13 anos após fratura no tornozelo virar paralisia de dois nervos. Recuperado, perdeu 44kg em um ano

Marcelo Pires paradesporto Jogos Mundiais Militares JMM (Foto: Arquivo Pessoal)Fabio Leme
Rio de Janeiro - Conhecer a história de Marcelo Pires é algo que faz você repensar uma série de fatos. Uma obra que pode ser comparada à de gênios como Ludwig van Beethoven, compositor alemão que perdeu a audição ainda novo, ou Van Gogh, pintor holandês que cortou uma das orelhas e sofria de depressão. Não são todos os dias que contamos o renascimento de uma pessoa que viveu 13 anos na depressão, enfurnada dentro de casa e sem vontade de seguir em frente. Depois de sofrer mais de 4.745 dias, o paratleta de tiro com arco do Brasil nos Jogos Mundiais Militares sabe que nenhuma medalha esportiva irá substituir o seu maior troféu: a vida.
Em 2000, aos 23 anos, o apaixonado por esportes competia nas Olimpíadas Militares de Campinas. Um lance aparentemente simples mudava sua trajetória. Marcelo corria, quando sentiu seu pé entrar em um buraco e sua articulação do tornozelo quebrar. No hospital, o diagnóstico era por engessar a região. Após seis meses de fisioterapia, a dor continuava. Um procedimento cirúrgico veio e a informação do quadro de artrose e paralisia de dois nervos também. O homem que vendia saúde precisava se afastar de suas funções nas Forças Armadas. A palavra "reformado" dava calafrios.
- Para mim, foi muito difícil. Ali, parou a minha vida. Fiquei entristecido de não poder dar continuidade nas Forças Armadas, entrei em depressão. Quando a gente é militar, servir nossa pátria incondicionalmente é o que nos faz viver. Eu não podia mais.
Montagem Sargento Marcelo Pires, da FAB (Foto: Editoria de Arte)Aquela cronologia difícil de aceitar mexia com tudo na sua vida. O que era claro, ficou escuro. Os dias de sol, se transformaram cinzas. Marcelo não tinha mais alegria de viver. Depressão, pressão alta, vontade de se suicidar faziam parte do pacote diário por 13 anos. O homem atlético se via gordo.
- Não fiz nada, engordei, cheguei a pesar 152kg, em 2013. Tomava remédios, tive pressão alta, não encontrava forças para levantar da minha cama. Pensei em me suicidar. Não entendia o motivo daquilo estar acontecendo comigo, não aceitava (estar inativo) por um pé travado. Perdi meu pai.
Ao seu lado durante todo esse tempo estava Vivian, a namorada desde os 18 anos (hoje tem 38). Foi com o apoio dela, de sua mãe e de seu pai, enquanto ainda vivo estava, que Marcelo não pôs tudo a perder. A virada veio de uma maneira tão improvável quanto o calvário que se encontrava. O esporte devolvia sua esperança tirada mais de uma década antes.
- Eu conheci o esporte adaptado de maneira inusitada. Fui no hospital para uma consulta e conheci um rapaz cadeirante que tinha um carro adaptado. Perguntei como ele fazia. Ele me mostrou e perguntou se eu não praticava nenhum esporte adaptado, por causa da minha envergadura. Voltei para casa com aquilo na cabeça e fui na internet. Como adorava vôlei, fui ver algo e encontrei o vôlei sentado. O problema é que só tinha em São Paulo, capital. Achei o basquete em Campinas e fiz por seis meses, me adaptei rápido e disputei um campeonato. Voltei a viver.

CAMPEÃO OLÍMPICO AJUDA IDA AO VÔLEI SENTADO
Marcelo Pires percebeu que, depois de sobreviver 13 anos à depressão e conseguir ser um bom jogador de basquete adaptado, num curto espaço de tempo, a distância para São Paulo estava longe de ser um adversário impiedoso. Como muitas coisas na sua vida, a imprevisibilidade voltou a bater em sua porta.
- Um dia tive a oportunidade de conhecer o Amauri Ribeiro, campeão olímpico e hoje presidente da Confederação Brasileira de Voleibol para deficientes (CBVD). Ele me chamou para um teste, eu fui. Em quatro meses, estava na seleção brasileira. Depois, fui para o Mundial com a seleção e levamos a prata na Polônia. Fiz algo que outros jogadores demoram muito tempo para conseguir. Me sinto um privilegiado.
Dois anos se passaram e os limites do paratleta não chegou. Mesmo adaptado e na seleção de vôlei, ele queria mais. Descobriu a possibilidade de fazer em teste para a seleção de tiro com arco. Passou, mais uma vez.
- Sou federado há apenas três meses. Em dois meses, atingi o alvo de 70m que, geralmente, as pessoas demoram de oito meses a um ano. Tenho facilidade de adaptação aos esportes, é louvável disputar quantas modalidades existirem. Já tentei até a esgrima de cadeira de rodas, em Campinas. Na esgrima tem a facilidade da minha envergadura de 2m.
Marcelo Pires Tiro com Arco Vôlei Sentado (Foto: Arquivo Pessoal)
Marcelo Pires e outros três paratletas brasileiros fazem parte da história do paradesporto militar. Serão os primeiros a competirem na história dos Jogos Mundiais Militares, que estão na sexta edição. Ela acontece dos dias 2 a 11 de outubro na Coreia do Sul. Oito cidades (Mungyeong, Pohang, Gimcheon, Andong, Yeongju, Yeongcheon, Sangju e Yecheon) receberão 24 modalidades. São esperados mais de 7 mil atletas de 120 países. Atual campeão do quadro de medalhas dos JMM de 2011, no Rio de Janeiro, o Brasil leva sua maior delegação da história. São 283 competidores contra 268 de quatro anos atrás. A meta é ficar entre os cinco melhores no quadro de medalhas. China e Rússia são considerados os favoritos.
Globo Esporte/montedo.com

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