3 de abril de 2017

Meu 1º de Abril

Publicação original no blog: 04 de abril de 2014

Naquele distante primeiro de abril, eu, idiota atroz, sem ser marxista nem membro do Partido Comunista, fazia o jogo dos marxistas e comunistas. Se alguém hoje ostenta tais bravatas com orgulho, eu as exibo com vergonha. Mas a vida é isso mesmo. Bom senso não é o quinhão dos jovens.
Janer Cristaldo*
Quando um acontecimento histórico faz aniversário em números redondos, ocorre o que os jornalistas chamam de efeméride. Foi o aconteceu no início deste mês, quando a dita Revolução de 1964 completou seus 40 anos. O leitor já deve ter notado que sempre busco fugir ao lugar comum. Assim sendo, me abstive de contar o que estava fazendo no dia 1° de abril de 1964. Mas já recebi alguns mails exigindo o relatório e, já que estamos mais distantes da data - e do lugar comum - vou contar. Aliás, já devo ter contado em crônicas passadas.
No dia 1° de abril, com a arrogância de um estudante de 17 anos - eu os completaria no dia seguinte - eu defendia bravamente as instituições democráticas, na sede do Sindicato dos Ferroviários, em Santa Maria, do ataque brutal dos militares. Trepado em uma mesa, eu deitava o verbo contra Lacerda, contra as Forças Armadas e contra os reacionários e golpistas em geral. Conclamava os operários à resistência contra o golpe e a eles oferecia o importante apoio da classe estudantil santa-mariense. Na época, se algum leitor está lembrado, a fórmula mágica para resistir a ditadura era a aliança estudantil-operário-camponesa. Verdade que a maioria dos estudantes jamais havia visto um camponês de perto, mas isto pouco importava. Havia também aquele outro slogan, povo unido jamais será vencido, refrões que repetíamos como mantras para exorcizar o mal.
Esperávamos, no sindicato, a tomada de posição do general Pope de Figueiredo, comandante da guarnição local. Confiávamos que, se a base aérea de Camobi, sediada em Santa Maria, tomasse o partido do povo, a ditadura estaria conjurada. Pois justo na hora em que eu discursava, com o ardor de meus 17 anos, chegou a tomada de posição do general Pope: trezentos homens armados, com baionetas caladas, cercaram o prédio, chamado pomposamente de Casa Rosada. Enquanto eu falava, o salão ia se esvaziando. Eu, que não sabia do que acontecia lá fora, desci da mesa muito sem graça, achando que meu discurso não estava convencendo ninguém.
Não era bem o caso. Mais convincente era a tomada de posição do general. Fiquei no prédio, com mais dez operários, um deles bêbado e armado com um facão. Queria enfrentar sozinho as baionetas. Tive de puxá-lo para dentro e fiquei me perguntando o que fazia ali. Ninguém foi preso, nem o seria, desde que abandonasse o prédio. Acabei indo embora, com a terrível sensação de herói ignorado, sem aplausos e nem mesmo vaias.
De atitudes como esta - ou semelhantes - se gabaram na semana passada escritores e cronistas de não poucos jornais. Eu, se por algum tempo me orgulhei de minha modesta participação nos acontecimentos daquele dia, hoje a deploro profundamente. Como todos os jovens, eu era um perfeito idiota. Seguia atrás de palavras de ordem, em geral oriundas de Pequim, Moscou ou Havana, e as defendia como quem defende uma verdade sagrada. Não sabia, na época, que guerrilheiros vinham sendo preparados em Cuba para, sob o comando de Julião, tomar o poder no país e transformá-lo em mais uma republiqueta atrelada a URSS. Era a segunda tentativa do Kremlin de tomar o poder no país. A primeira, fora a de 35, liderada por Luís Carlos Prestes e mais três ou quatro aventureiros internacionais.
Hoje, está mais que visto: não fossem os militares, estaríamos vivendo sob regime comunista. Com a queda do Brasil, não seria fácil de imaginar o Chile e Argentina, que já vinham sendo infiltrados pelos comunistas, sob o jugo de Moscou. Não seria também de duvidar que, com o continente latino-americano subjugado, o regime soviético tivesse mais alento e inclusive sobrevivesse mais algumas décadas. Não é demais afirmar que, sem a atitude dos militares em 64, o horror talvez tivesse dobrado a esquina do século.
Mas a vitória das Forças Armadas foi ilusória. Venceram a primeira batalha, é verdade. Mas perderam o combate. Hoje, transcorridas apenas quatro décadas, metade de uma vida de homem, menos que a ditadura de Fidel Castro, os militares foram jogados na famosa lata de lixo da História, com a pecha de vilões Os vilões da história não só tomaram o poder como posam de heróis e recebem régias aposentadorias, pelos (des)serviços prestados à Pátria. Os grandes vencedores de 64, costumo dizer, foram as esquerdas que, na época, pretendiam instalar no Brasil um regime soviético. Mas os tempos mudaram, o Muro caiu, a URSS afundou. Hoje, no poder, as esquerdas não têm mais moral para empunhar bandeiras socialistas.
Há quem creia, é verdade, que o Brasil de hoje se encaminha ao comunismo. Não acredito. Não há mais clima. Se o PT tivesse ganho em 1980, quando o mundo ainda tremia ante qualquer arroto da URSS, talvez. Agora é tarde, camaradas.
Naquele distante primeiro de abril, eu, idiota atroz, sem ser marxista nem membro do Partido Comunista, fazia o jogo dos marxistas e comunistas. Se alguém hoje ostenta tais bravatas com orgulho, eu as exibo com vergonha. Mas a vida é isso mesmo. Bom senso não é o quinhão dos jovens.
* Texto escrito em abril de 2004

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