17 de março de 2015

Amorim: Comissão da Verdade pode ter sido 'último passo da transição democrática'.

O ex-ministro Celso Amorim diz que a Comissão Nacional da Verdade (CNV) foi um passo necessário para o país, "talvez o último passo da transição democrática no Brasil".

Relatório final da CNV (apresentado em dezembro, acima) concluiu que violações de direitos humanos foram praticadas pelas Forças Armadas de maneira sistemática
Júlia Dias Carneiro
Da BBC Brasil no Rio de Janeiro
Em entrevista à BBC Brasil, Amorim afirmou ainda que intermediar a elaboração do relatório final da Comissão da Verdade foi a parte mais "demandante" de seu período à frente do Ministério da Defesa
Ex-ministro da Defesa e das Relações Exteriores, Amorim ficou à frente da pasta da Defesa durante todo o mandato dos integrantes da CNV, empossados em maio de 2012 para investigar as violações de direitos humanos entre 1946 e 1988, mas sobretudo durante a ditadura militar.
Ele considera o fato de as Forças Armadas terem "deixado de negar" as violações do passado um avanço importante no período, mas diz que o trabalho tem que continuar a ser feito.
"Espero que se possa ir mais longe, mas acho que nós chegamos, na época, até o ponto que era possível, que era eles não negarem", disse Amorim em entrevista à BBC Brasil.
"Isso é um avanço. Tanto que deu manchete em diversos jornais – 'Militares admitem que houve violações'. Não sei se admitiram alegremente, ou a contragosto, mas admitiram. E isso ocorreu quando a CNV perguntou diretamente – ‘Houve violações? Sim ou não? Digam.’"
"Então o que eles fizeram? Basicamente, com pequenas variações de linguagem, disseram 'nós não podemos confirmar' – porque sempre diziam que não havia documentos; 'mas nós não podemos negar'. Eu acho que isso é um passo", diz.
"É como na psicanálise. O primeiro passo é não negar a existência do problema. Resolver o problema já é outra questão."

Responsabilidade institucional
Celso Amorim (Foto: BBC Brasil)
'Espero que se possa ir mais longe, mas acho que chegamos, na época, ao ponto possível', diz ex-ministro sobre admissão de violaões por parte das Forças Armadas
Publicado em dezembro do ano passado, o relatório final da CNV concluiu que violações de direitos humanos foram praticadas pelas Forças Armadas de maneira sistemática, planejada e organizada durante o período militar.
O documento confirmou 434 vítimas mortais do regime militar – com 210 pessoas ainda desaparecidas – e fez uma série de recomendações para o governo.
A primeira delas é para que as Forças Armadas reconheçam sua responsabilidade institucional pelos abusos ocorridos durante a ditadura, não sendo considerado suficiente, para a CNV, simplesmente "não negar" as violações.
A segunda é que os agentes do Estado envolvidos em episódios de tortura, assassinatos e outros abusos sejam investigados, processados e punidos, entendendo a CNV que crimes contra a humanidade não podem ser protegidos pela Lei de Anistia.
Amorim diz que não vai emitir juízo de valor sobre as conclusões do relatório, mas diz que "de modo geral o trabalho foi muito importante e bem feito".
Ele diz que o Ministério da Defesa procurou cooperar "de várias formas" com a CNV, "tanto assim que mereceu elogio do presidente da CNV quando ele entregou o relatório".
O presidente da CNV, Pedro Dallari, de fato agradeceu a contribuição do ministério, e nominalmente ao ministro Amorim, na solenidade de entrega do relatório – dizendo que houvera um "diálogo respeitoso" apesar das "circunstâncias difíceis".
Mas em diversas etapas do trabalho da CNV, seus membros se queixaram da falta de colaboração dos militares, seja pela não entrega de documentos que teriam sido destruídos, seja pela negação de que houve desvio de finalidade de instalações militares durante a ditadura.
Leia mais: Trinta anos após fim da ditadura, Brasil tem 'democracia imperfeita'

Processo custoso
Amorim admite que foi um processo custoso.
"Há uma postura um pouco defensiva que se formou nas Forças Armadas em relação ao período, e que de fato mexia com, digamos assim, o ethos deles."
"Então foi cansativo, demandou muito esforço, inevitavelmente até desviou atenção de outros temas que também eram importantes", diz Amorim. "Isso fez com que o meu prazo de validade como ministro da Defesa, do meu ponto de vista, fosse limitado."
Perguntado se a habilidade como diplomata ajudara a dialogar dentro da pasta e a intermediar as conversas entre o governo e a CNV, Amorim lembra uma conversa com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
"Uma vez o próprio presidente Lula me perguntou como estava sendo na Defesa e eu brinquei. ‘Olha, presidente. Aqui eu tenho que ser diplomata. No Itamaraty eu podia ser guerreiro’."
O ex-chanceler considera que o trabalho da CNV tem que ser levado adiante. Ele diz que um pedido explícito de desculpas por parte das Forças Armadas "poderia ser bom", principalmente para quem sofreu diretamente durante a ditadura militar.
"Se puder vir, ótimo. Mas acho que mais importante do que isso é eles não terem mais o que comemorar", diz, fazendo referência à orientação expressa de Dilma Rousseff para que militares da ativa não comemorassem os 50 anos do golpe no último dia 31 de março de 2014, encarregando Amorim de dar o recado.
"Eles não podem mais comemorar, nem oficialmente, nem secretamente. E isso é o que a gente deve buscar, uma mentalidade voltada para o futuro, em um país que é a sétima economia do mundo, tem 17 mil quilômetros de fronteiras, 8 mil quilômetros de litoral, recursos naturais abundantes. Tudo isso tem que ser protegido, e é isso que as Forças Armadas têm que fazer."
Para o ex-ministro, os militares têm que "entrar na normalidade brasileira" e entender que o período da ditadura "foi uma situação com a qual a maioria da sociedade não está de acordo, que não é aceita", frisa. "Acho que isso está acontecendo."
BBC/montedo.com

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