Publicação original: 7/2 (22:38)
Por que os militares não devem estar na Reforma da Previdência?
Por que os militares não devem estar na Reforma da Previdência?
Antônio Hamilton Martins Mourão*
Os militares das Forças Armadas (FA) nunca tiveram e não têm um regime previdenciário estatuído, seja no âmbito constitucional, seja na esfera da legislação ordinária. Assim, define a Constituição Federal, em seu art. 142, § 3º, inciso X, que a lei disporá sobre ingresso, limite de idade, estabilidade, transferência para inatividade, remuneração do pessoal etc., respeitadas as peculiaridades das suas atividades.
Historicamente, por mais de uma vez, o Congresso Nacional refutou essa existência. Em 1996, por exemplo, a Comissão Especial constituída para a discussão da PEC 338-A/96 rejeitou as sugestões de referências explícitas a regimes previdenciários próprios dos militares. As Emendas Constitucionais 18 e 20, ambas de 1998, consolidaram a separação dos militares das Forças Armadas em relação aos servidores públicos, inclusive em matéria previdenciária.
Em 2003, o Relatório do então Deputado José Pimentel sobre a PEC 40-A foi objetivo ao afirmar que “Os militares federais não se vinculam a um regime previdenciário em que os benefícios devam ter por fundamento as contribuições vertidas ao regime. Ao contrário, as próprias peculiaridades da carreira militar inviabilizam a sujeição de seus integrantes a um regime de caráter estritamente contributivo”.
As peculiaridades da carreira sempre levaram os militares a terem um tratamento diferenciado, o que não significa privilegiado. Os militares não usufruem de uma série de direitos de um trabalhador em geral ou de um servidor público. Aos militares não é permitido receber horas extras, adicional noturno, adicional de periculosidade, FGTS; ocupar cargos de direção e assessoramento superior (DAS) ou funções comissionadas ou gratificadas.
O “contrato social” com o Estado garante a sua disponibilidade permanente e dedicação exclusiva, impedindo-o de exercer outras atividades de caráter remuneratório. A União teria uma despesa anual adicional da ordem de, pelo menos, R$ 25 bilhões se tivesse que pagar os direitos que os demais trabalhadores e servidores públicos têm. Somente com horas extras e adicionais noturnos, essa despesa alcançaria cerca de R$ 18,8 bilhões anuais, considerando apenas os serviços de escala de 24 horas, as manobras e os exercícios militares contínuos, os dias no mar, entre outros. Não estão computadas as horas que o militar fica após o expediente até que a missão recebida seja cumprida.
Para compreender a dimensão desses números, basta uma simples correlação com os valores referentes às despesas com inativos militares, apontadas como um dos principais problemas do déficit da previdência e alvo de diversas críticas. De acordo com dados extraídos da Lei Orçamentária Anual – 2017, o total das despesas com inativos militares é da ordem de R$ 21,4 bilhões, ou seja, valor inferior ao da economia proporcionada à União por não estar previsto o pagamento de horas extras e adicionais noturnos aos militares das Forças Armadas.
Ao não fazer jus aos mesmos direitos remuneratórios dos demais trabalhadores e servidores públicos, os militares das Forças Armadas geram uma economia significativa à União. Se forem computadas outras economias proporcionadas com o emprego das Forças Armadas em atividades como a Copa do Mundo, os Jogos Olímpicos, o apoio em desastres naturais e situações de calamidade, o combate à dengue, o fornecimento de água à população da Região Nordeste, entre outras, chega-se à conclusão que as despesas assumidas pelo Tesouro Nacional com pessoal militar das Forças Armadas estão dentro de um contexto totalmente sustentável, devido às especificidades verificadas somente nessa categoria profissional.
Os militares contam com um Sistema de Proteção Social, a partir de instrumentos legais e ações permanentes e interativas que envolvem remuneração, saúde e assistência social. O objetivo é assegurar o amparo e a dignidade aos militares das Forças Armadas e a seus dependentes, haja vista as peculiaridades da carreira militar.
A contribuição para o Sistema de Proteção Social pode chegar a 12,5% da remuneração bruta – 7,5 % para a pensão militar, 3,5% para a assistência médico-hospitalar e social, e mais 1,5% daqueles que ingressaram antes de 2001 e optaram por deixar a pensão para as filhas. Além dessas contribuições, o militar desconta uma parcela de 20% do total da despesa de qualquer tratamento médico a que ele ou seus dependentes são submetidos.
Dentre as peculiaridades da carreira, a disponibilidade permanente e a dedicação exclusiva merecem destaque. É a disponibilidade permanente que permite o pronto emprego de tropas a qualquer hora, para qualquer missão, em todo o território nacional. Foi assim que as Forças Armadas empregaram mais de 24 mil militares na segurança dos Jogos Olímpicos e, ao mesmo tempo, deslocaram, em 24 horas, outros 1.200 militares para o Rio Grande do Norte para conter a onda de violência.
O trabalho recente da Fundação Getúlio Vargas (FGV), denominado “As Forças Armadas e a PEC da Previdência”, divulgado no mês de dezembro, exprime muito bem essa ideia: “A profissão militar das Forças Armadas engloba funções exclusivas de Estado, e não de qualquer governo, de provimento da Defesa Nacional, e ações de Garantia da Lei e da Ordem. São necessários anos para formar um militar. Existem especificidades sem similar no meio civil, com regras de dedicação e de comprometimento compatíveis com essa missão, genérica de lugar e de tempo, que implicam a disponibilidade permanente sem remuneração extra, as mudanças constantes para toda a família, o risco da própria vida, além da restrição de direitos sociais e políticos.
Nos últimos meses, especialistas em previdência pública têm feito afirmações com um total desconhecimento da carreira militar. Nem o antigo Ministério da Previdência, nem o INSS conhecem o regramento que envolve os militares. Desconhecem que a “Reforma da Previdência” dos militares ocorreu com a edição da MP 2.131, de 28 de dezembro de 2000 – atual MP 2.215-10, de 31 Ago 2001 –, quando foram suprimidos direitos, acarretando um achatamento salarial entre pensionistas, inativos e pessoal da ativa. Estima-se que esse achatamento, somente no tocante aos inativos e pensionistas, alcance algo em torno de R$ 96,3 bilhões para o período 2001-2015.
Há um desconhecimento de que os militares contribuem, em média, durante 62 anos para a pensão militar. Esse conceito de contribuição, mesmo na reserva, vem desde a criação do Montepio Militar, em 1795, e não apenas de um passado recente. A contribuição para a assistência médico-hospitalar e social é feita até o falecimento do beneficiário da pensão.
A regra, conforme listagem do trabalho da FGV, é a de os militares não terem regime de previdência. Os militares estão sujeitos a um regime previdenciário somente em oito países do mundo: Laos, Síria, Kuwait, Vietnã, Bulgária, Lituânia, Luxemburgo e Romênia.
A FGV retrata bem a razão da impossibilidade do militar ficar sujeito a um regime previdenciário: “As propostas recentemente veiculadas, favoráveis à inclusão dos militares das Forças Armadas na PEC da Previdência, criariam distorções de grande impacto, se implementadas. Parece haver um desconhecimento das especificidades acerca da profissão e da carreira militar. Ao se realizar tais mudanças, gerar-se-ia grave aumento do desequilíbrio já vigente, podendo implicar a redução acentuada da capacidade operacional das Forças Armadas a curto prazo. Se as características da vida militar não forem levadas em conta, serão criadas, certamente, condições desagregadoras, possivelmente irreversíveis, a médio prazo.”
O Brasil precisa de Forças Armadas capacitadas, remuneradas como uma carreira de Estado, motivadas e em condições de garantir a soberania do País e a manutenção para as futuras gerações de seu imenso território e de suas riquezas.
* General de Exército da ativa, Secretário de Economia e Finanças do Exército
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